domingo

LUA-DE-MEL A TRÊS


Já aqui aludi a “Uma Autobiografia Disfarçada”, da autoria de um antigo diplomata. É um indivíduo de 84 anos de idade, com a alcunha de “Tremido”.
É curioso o que ele pensa sobre a velhice… dos outros.
O cavalheiro refere-se aturadamente a Natália Correia, a genial poetisa açoriana, que foi também deputada da Assembleia da República. Diz ele que a escritora “envelheceu mal, engordou e alterou muito as suas feições”.
Quanto ao Embaixador Theotónio Pereira, o Tremido entra em pormenores absolutamente desnecessários, dizendo que a idade já nem lhe permitia comer devidamente um robalo grelhado, pois encontrava-se “diminuído fisicamente com evidente dificuldade para segurar talheres e copos”.
O cúmulo da gentileza surge quando menciona que Theotónio “deixou um primeiro volume de memórias que desejava continuar. Escrito quando já estava na curva descendente, por razões de saúde, não acrescenta nada de positivo à sua imagem”.
Aliás, em matéria de memórias redigidas por diplomatas, aqui o nosso Tremido faz questão de pôr os pontos nos is: “a publicação das memórias do Embaixador Sir Christopher Meyer com o intuito claro de, através de revelações escandalosas, aumentar o seu pecúlio é o exemplo perfeito do que não deve ser feito”.
Contrariamente a estas criaturas, o autor da “autobiografia disfarçada” não terá envelhecido mal.
Para já, ele afirma: “olhando para o passado, sinto, com orgulho, ter pertencido a um grupo de elite”.
Depois, explica a linha orientadora das suas próprias memórias: “não segui pelo caminho do escândalo”.
Deve ser por isso que ele dedicou um capítulo inteiro à viagem de núpcias de Natália Correia.
Em 1949, a escritora casou com o norte-americano William Hyler. Por circunstância feliz – para ela, claro – decidiu passar a sua lua-de-mel em Tânger, cidade onde o Tremido desempenhava funções, à época.
É que o americano, segundo o nosso diplomata, era “um homem desinteressante e que devia pouco à beleza”.
Valeu a Natália encontrar-se o Tremido precisamente em Tânger. Conta ele que passou a fazer companhia ao casal: “a lua-de-mel processou-se a três, com refeições em conjunto, idas a night clubs e passeios turísticos”. Obviamente, “a pessoa que estava a mais parecia ser o marido”.
Mas atenção. Não se pense que se trata aqui de uma cedência ao escândalo.
O autor faz questão de explicar por que razão decidiu contar a história.
Enquanto Natália Correia era viva e podia responder, ele nunca quis tocar no assunto. Depois de ela falecer, já se sentiu à vontade: “durante a vida da escritora não falei do nosso encontro em 1949 por entender que seria deselegante fazê-lo; depois da sua morte, pareceu-me assunto com interesse”. Faz sentido, tem a sua lógica…
Para quem tenha dúvidas, ele esclarece: “julgo estar a prestar uma contribuição válida à descoberta dos verdadeiros sentimentos de Natália Correia nessa época da sua vida”.
Agora não se pense que qualquer uma atrai o diplomata.
Em Inglaterra, ele encontrou-se com Diana de Gales, num baile de caridade. “A Princesa Diana foi uma decepção. A sua beleza não me impressionou e a conversa foi um desastre”. Era “uma pessoa fria e sem interesse”. Ainda por cima, “nem sequer dançava bem”.
De resto, o baile foi, todo ele, um fiasco. A organização coube ao português Jorge Raposo, que decidiu alugar um palácio nos arredores de Londres.
Previamente, o autobiografado avisou o organizador que era preferível recorrer a uma sala grande, em Londres. Mas em vão: “não fui ouvido”. Naturalmente, seguiu-se um desastre: “os meus receios tiveram justificação”. O baile não teve sucesso. O que não admira: “em assuntos tratados por amadores, as surpresas são inevitáveis!”.