domingo

MENINA OU MENINO?


Estava-se no Verão de 1885.
Um conceituado Juiz encontrava-se em casa, junto a sua mulher.
Ambos aguardavam ansiosamente a chegada do seu bebé. Obviamente, ignoravam se seria uma menina ou um rapaz.
O que sucedeu deixou-os atónitos.
A senhora entrara em trabalho de parto. As horas passavam e não havia meio de o nascituro irromper do ventre materno. Era já quase meia-noite, quando o pequeno viu a luz do dia. Mas o nascimento não ficou por ali. Afinal, havia um segundo rapaz, gémeo idêntico, saído do mesmo óvulo. O segundo filho surgiu já no dia seguinte: em 20 de Julho. Perfeitamente iguais, as duas crianças nasceram em datas diferentes.
Ao mais novo foi dado o nome de Aristides. Entrou para a História Pátria como o Cônsul que salvou a vida a mais de trinta mil refugiados, perseguidos pelos nazis, durante a Segunda Guerra Mundial.
Este curioso episódio do nascimento de Aristides de Sousa Mendes é relatado logo no início do novo livro de Miriam Assor: “Um Justo Contra a Corrente”.


A obra inclui uma interessante entrevista a Pedro Nuno de Sousa Mendes, filho do diplomata. Este era estudante universitário, em França, residindo com os progenitores.
Na sequência da emissão de vistos a favor dos refugiados, ele combinou com o Pai que regressariam separadamente a Portugal, por razões de segurança.
Já próximo de Espanha, o descendente abastecia a sua viatura, numa bomba de gasolina. Do lado oposto da estrada, avistou o pai. Apenas trocaram olhares. Conta ele: “Não falámos, mas dissemos muita coisa naquele silêncio”.
Este magnífico livro conta também com um depoimento do Rabino Kruger. Ele esteve integrado num vasto grupo de judeus, que partiu com destino a Portugal. Faziam uso dos vistos passados pelo Herói Português, numa França dominada pelos nazis.
Diz o religioso que as coisas não se tornaram fáceis quando chegaram à fronteira franco-espanhola. Os guardas hesitavam em deixá-los passar.Sousa Mendes acompanhava o grupo. Trocou algumas palavras com os agentes de autoridade. Logo depois, o próprio cônsul abriu a cancela, permitindo que os refugiados circulassem, em trânsito, pelo território espanhol.
Miriam Assor não se esquece de referir dois aspectos importantes.
O primeiro jurista a empenhar-se activamente na defesa e homenagem a Aristides foi o diplomata Nuno Bessa Lopes, falecido em 1983. Em 1976, ele analisou todo o processo disciplinar instaurado contra o cônsul, por recusa de cumplicidade nos crimes nazis. Bessa Lopes elaborou um relatório, tendo em vista a reabilitação póstuma do Herói Português.
Em segundo lugar, a autora não deixa de mencionar a grotesca “Autobiografia Disfarçada”, escrita por um diplomata aposentado, com a alcunha de Tremido. Nesse livrito, fazem-se apreciações completamente absurdas, a propósito de Sousa Mendes.
Miriam Assor começa por destacar algo de perfeitamente insólito. O livreco foi “editado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, em 2008”!
De seguida, salienta a falta de lógica das várias considerações tecidas pelo Tremido.
O cavalheiro mostra-se muito preocupado com a emissão dos vistos, pois originaram “um fluxo anormal na fronteira e nas estradas de Espanha e Portugal”.
Como declara Miriam Assor, esta afirmação La Palissiana parece extraída de uma redacção da escola primária: “aproxima-se da quarta classe”.
Evidentemente, segundo a escritora, tal “enchente seria de festejar. Quantos mais refugiados fugissem, pois bem, menos mortos existiriam”.