sábado

MAL POR MAL, ANTES A PRISÃO DO QUE O HOSPITAL



Já lá vão duas décadas.
Ele era um jovenzito de 18 anos, que ocasionalmente frequentava alguns cafés da margem sul, onde residia.
Um homem feito dirigiu-lhe um convite, para darem um passeio de carro. Era já de noite e dirigiram-se uma daquelas zonas que posteriormente viriam a ser legalmente baptizadas como áreas urbanas de génese ilegal. Na altura, era um amontoado de casas clandestinas, espalhadas desordenadamente por entre ruas de macadame ou pura e simples terra.
Encontraram-se com um outro indivíduo, conhecido do dono do automóvel. Sem grandes diálogos, o condutor foi ao porta-bagagens e sacou de uma caçadeira. Na presença do rapaz que o acompanhava, disparou sobre a pessoa que tinham acabado de encontrar. A proximidade não deixava dúvidas quanto à morte imediata.
Depois, o assassino apontou a arma ao moço, dizendo:
- Se contas a alguém, és o próximo a morrer.
Mesmo não sendo criminosos profissionais, os delinquentes acabam por desenvolver certos raciocínios idênticos em muitos dos homicídios, cometidos em co-autoria.
Para ter na mão o jovem e evitar uma denúncia, o homem não se deu por satisfeito com aquela ameaça.
Quis envolver o garoto, de forma a que ele temesse ser punido pela justiça.
Por isso, disse-lhe para o ajudar a esconder o cadáver.



UMA DÚZIA DE ANOS
No entanto, não tardou a que os dois fossem presos.
O jovem Carlos passou 12 anos na cadeia.
Com a liberdade, veio o desejo de ser um homem responsável. Sem grandes habilitações literárias, conseguiu emprego num restaurante bem afreguesado. Nenhum amargura transparecia da expressão ou das suas atitudes.
Conheceu uma rapariga, com quem casou. Também ela ficou a servir às mesas do mesmo restaurante.
Um forte revés ocorreu, logo após o matrimónio.
Ao Carlos foi-lhe diagnosticado cancro. Longos e penosos tratamentos se seguiram, com cura bem sucedida.
O casal aproximava-se dos 40 e decidiu não ter filhos. O emprego proporcionava-lhes um rendimento razoável e não tinham despesas com alimentação. Sensatamente, optaram pela compra de uma casa, com recurso a empréstimo bancário.
Mas ter-se-ão excedido noutras aquisições. Escolheram um carro jeitoso, bons electrodomésticos e móveis que não eram dos mais económicos, sempre beneficiando de um crédito algo facilitado.
Parecia que o Carlos ansiava por recuperar o tempo perdido com as permanências na prisão e no hospital.



DE RELAÇÕES CORTADAS
Em torno das responsabilidades financeiras assumidas, geraram-se discussões entre marido e mulher. Estava a tornar-se muito complicado pagar todas as prestações mensais. Os dois optaram pelo divórcio, mas de modo pouco pacífico.
O local onde trabalhavam era um espaço relativamente reduzido, onde só havia mais um empregado de mesa, além deles.
O clima na sala de refeições não podia ser pior. Dois dos empregados estavam de relações cortadas.
O bom-senso prevaleceu e ambos decidiram arranjar trabalho por outras bandas.
Regressou o sistema judicial à vida do já não tão jovem Carlos. Desta feita, por via de processos instaurados pelas entidades bancárias que haviam financiado o consumismo exagerado e descontrolado de duas pessoas, que já não constituíam casal.