quinta-feira

ARMAS NA COSTA DE CAPARICA



Ramalho Eanes escreveu um interessantíssimo prefácio na obra que Pedro Vieira acaba de publicar, com o título “Todos os portos a que cheguei”. Trata-se da biografia do General Vasco Rocha Vieira, o último Governador de Macau.
O antigo Chefe de Estado alude ao caso da carrinha interceptada na Costa de Caparica com 35 espingardas G-3, pertencentes a Edmundo Pedro, deputado do PS.
O tema é retomado no texto principal do livro, com as explicações de Eanes.
Edmundo Pedro foi parlamentar, entre 1976 e 1991. É autor de brilhantes memórias, sob o título “Um Combate pela Liberdade”, em que relata sobretudo o seu importante papel como adversário do Estado Novo.
O caso das armas de guerra ocorreu em 1978. Rocha Vieira ocupava o cargo de Chefe de Estado Maior do Exército. Ramalho Eanes era Presidente da República.
Henrique Medina Carreira era Ministro das Finanças, no Governo liderado por Mário Soares.
Nessa qualidade, Medina Carreira tinha ordenado à Guarda Fiscal que intensificasse a repressão ao contrabando.
O membro do Governo estava longe de imaginar que essa sua determinação originaria grave embaraço a um destacado militante do seu partido.


A SOLUÇÃO MÁGICA


Seguindo as instruções do titular das Finanças, em 11 de Janeiro de 1978, uma carrinha foi mandada parar na Costa de Caparica. A revista ao seu interior revelou uma enorme surpresa. Ali estavam três dezenas e meia de G-3, outrora propriedade do exército. Os números de série tinham sido rasurados. Tratavam-se de armas que, nos tempos agitados de 1975, foram parar às mãos de elementos de vários partidos e até de grupos radicais de extrema-esquerda. Muitas dessas espingardas já haviam sido devolvidas às Forças Armadas.
A estupefacção adensou-se quando se tomou conhecimento de que as armas eram de Edmundo Pedro. Este, já após se encontrar detido, confirmou que recebera as G-3 em 1975 e as conservara. Fê-lo em entrevista concedida a Joaquim Furtado, jornalista da Antena 1.
O Primeiro-Ministro Mário Soares compareceu em Belém. Propôs uma solução, que poderia resolver o imbróglio.
Disse ao Presidente Eanes que bastaria uma declaração do Chefe de Estado Maior do Exército. Rocha Vieira faria um simples esclarecimento. Edmundo Pedro fizera transportar as armas de fogo, com o propósito de as entregar às autoridades militares.
Obviamente, ninguém acreditaria nisso. Se o político pretendesse devolver as espingardas, contactaria previamente o exército, combinado o modo como se faria a restituição. Nunca haveria nenhuma intercepção da Guarda Fiscal.
O Chefe de Estado respondeu a Soares:
- Não peço isso ao Vasco Rocha Vieira.
E explicou porquê. Caso o Chefe do Exército tomasse essa posição para agradar a Eanes, este perderia completamente a confiança nele. Uma pessoa deve recusar fazer o que é inadmissível. Pelo contrário, se Rocha Vieira reagisse negativamente, deixaria de confiar num superior que lhe pede algo de inaceitável.
Em alternativa, Eanes sugeriu algo diverso a Mário Soares. O Primeiro-Ministro poderia anunciar que o Governo tinha conhecimento que o deputado socialista pretendia devolver as armas. Contudo, Soares entendeu não o fazer.
Edmundo Pedro esteve em prisão preventiva, durante 6 meses. Depois, foi absolvido.