segunda-feira

O AUTOCARRO COM DOIS VOLANTES


Não conheci Salvador Caetano, mas, como todos os portugueses, acompanhei a sua carreira de self made man.
Chamar-lhe importador da Toyota seria injusto e redutor. Aliás, o condicionamento industrial, as pautas aduaneiras e o proteccionismo nacional impossibilitariam uma actividade de apenas comerciante.
Era um verdadeiro industrial, gerando emprego para milhares de pessoas que trabalhavam nas unidades de montagem de veículos.
Em 1993, fui pela primeira vez a Pequim.
Voei num Boeing 747, comandado por um antigo piloto da força aérea, como era costume à época, na Air China. Ao acercarmo-nos da capital chinesa, a aterragem do enorme Jumbo foi pouco diferente daquela que seria efectuada com um caça. Rápida aproximação à pista e short landing, com significativas inclinações, como se faltasse espaço… O ideal para quem aprecia emoções fortes.
O gigantesco aeroporto estava dotado de mangas, que nos permitiriam chegar directamente à aerogare. O comandante tentou aceder a uma delas, realizando uma série de manobras infrutíferas.
Depois… desistiu.
Largou o avião no meio da pista. Aguardámos por um daqueles autocarros que não têm traseira. Em ambas as extremidades, possuem uma cabine, com volante.
Era um Caetano, em plena China. Os guiadores não deixavam margens para incertezas. Ostentavam o símbolo da marca portuguesa. Placas junto às portas esclareciam também quanto à origem da viatura. Não havia dúvida. O motorista transportava-nos num autocarro Caetano, concebido no norte de Portugal.
Muito mais do que importador, Salvador Caetano era também fabricante e exportador.


COMPRAR PORTUGUÊS?


Mais do que ver portugueses a comprar produtos nacionais, agrada-me sobretudo verificar que, em Inglaterra, encontro gente local a consumir vinho Mateus Rosé. Tal como é bom encontrar sumos Compal em Estocolmo ou café Delta em Espanha. Assim como é reconfortante descobrir que os franceses usam sapatos Miguel Vieira. Do mesmo modo, dá um especial prazer quando se toma conhecimento de que o mármore português é utilizado na Malásia.
O meu desejo é que, noutros países, não estimulem demasiado o consumo de produtos nacionais. Espero que estejam abertos a apreciar aquilo que se produz em Portugal.
Na aldeia global, vigora um princípio básico: “não faças aos outros o que não gostas que te façam a ti”. Se todos preferirem o que é nacional, os produtos portugueses serão esquecidos no estrangeiro.
Por isso, faz-me alguma confusão o apelo nacionalista à preferência por bens portugueses. Somos dez milhões de consumidores, com fraco poder de compra. Não se resolve nada se andarmos só a tentar vender uns aos outros.
Pelo contrário, eu e muitos portugueses optamos amiúde por adquirir produtos estrangeiros, cuja origem é certificada como integrando uma rede de fair trade ou comércio justo.
Em Portugal, o melhor é começarmos a pensar em exportar o que fazemos de melhor. Tenhamos como horizonte o globo terrestre. Trata-se de 7 mil milhões de pessoas a quem podemos vender a nossa produção.
Assim saibamos ter a visão e o rasgo de Salvador Caetano, que, até na China de Deng XiaoPing, comercializava os seus autocarros fabricados em Portugal.