É especialmente curioso o livro “Telefonema 41”, sobre o caso do violador de Telheiras. A obra, muito bem escrita por Paulo Neves, relata, com detalhe, a investigação que levou à detenção do criminoso, agora condenado à pena máxima.
A aplicação dos 25 anos de prisão causou admiração em juristas e público em geral.É inegável a extrema gravidade dos factos. Porém, devem considerar-se dois factores.
Há vários tipos de violação. O que estava ali em causa era obrigar as vítimas a praticar sexo oral. É diferente da cópula ou do coito anal. Em termos legais, diz-se que o grau de ilicitude é mais elevado quando existe penetração vaginal.
Depois, importa avaliar a jurisprudência. É indispensável conhecer as decisões de outros juízes, por forma a que não se verifiquem significativas disparidades entre sentenças, consoante o tribunal onde se realiza o julgamento.
Ora existem muitas situações de homicídio, violação repetida de crianças ou rapto, cujos autores estão a cumprir pena bem inferior à mais gravosa que a lei portuguesa admite: 25 anos.
A proporcionalidade determina que as sanções mais pesadas estejam reservadas para os delitos mais atrozes.
Nitidamente, o julgamento foi marcado pela mediatização e pela opinião pública.
DUAS PERPLEXIDADES
Neste importante livro, o autor destaca dois aspectos que causaram séria estranheza ao advogado de defesa.
O contributo mais importante para a captura do violador surgiu com a divulgação do retrato-robô. Inicialmente, tinham surgido umas imagens que não levaram a lado nenhum. Realizadas com base na descrição apresentada pelas vítimas, estavam bem distantes da fisionomia real do criminoso.
Há uns tempos atrás, estas gravuras eram efectuadas por um desenhador, que escutava o queixoso, apurando com ele os detalhes do rosto.
No final da década de 80, passaram a ser empregues transparências. Em centenas de folhas de plástico incolor figuravam olhos, narizes, bocas, orelhas, penteados, óculos, bigodes… A testemunha ia escolhendo as mais aproximadas. Com a sobreposição, obtinha-se uma face.
Actualmente, é utilizado um programa informático de computador, com a mesma função. Vai-se optando pelas diversas partes da cara, até obter o retrato final. A aplicação de que a Polícia Judiciária dispõe é o “Composite Lab”. A conjugação permite a elaboração de milhares de desenhos diferentes.
Por exemplo, há cerca de 1500 penteados masculinos.
Os técnicos do Laboratório de Polícia Científica começam por uma triagem ou delimitação, eliminando hipóteses. Assim, partem das informações sobre o sexo, a idade aproximada e a etnia.
Como já referi, neste caso, os primeiros retratos-robô foram inúteis. A aparência do violador era totalmente diferente.
De repente, surgiu uma imagem muito fiel. Posteriormente, o advogado de defesa afirmou: “a perfeição do retrato-robô era tal que mais parecia uma fotografia”.
Logo após o desenho surgir na comunicação social, choveram os telefonemas para a Polícia Judiciária e o homem foi preso.
Daí surgir a desconfiança de que este retrato final foi elaborado já após haver uma denúncia e conhecida que era a identidade do suspeito. As descrições apresentadas pelas vítimas não permitiriam obter um esboço tão semelhante à realidade.