quarta-feira

O VALOR DA AMIZADE


Aprende-se muito com a agradável leitura da obra “Sozinha”, da autoria de Raquel Rocheta.
A ex-mulher de Carlos Cruz traça uma auto-biografia muito bem escrita. Concentra-se no período em que o apresentador televisivo esteve preso preventivamente, acusado de pedofilia, até ao divórcio entre os dois, após ele ser condenado em primeira instância.
A modelo e empresária refere-se a um aspecto importante. Há uns bons anos, eu já tinha abordado essa questão nas páginas do “Correio da Manhã”, onde assinava uma crónica semanal.
Carlos Cruz foi o grande responsável pela candidatura bem sucedida à realização do Euro 2004, em Portugal. Veio a ser agraciado pelo Presidente da República, com a Ordem do Infante D. Henrique.

OS ENCONTROS COM JOSÉ SÓCRATES
Enquanto presidente da Comissão de Candidatura ao Campeonato Europeu de Futebol, Carlos Cruz privou intensamente com José Sócrates. Criaram-se laços de amizade. À data, o político era ministro do Ambiente, tendo a seu cargo a tutela do Desporto. Os dois tomavam juntos o pequeno-almoço, diariamente. Viajavam constantemente para o estrangeiro, acompanhados de Gilberto Madaíl.
A própria Raquel Rocheta encontrou-se, nalgumas ocasiões, com Sócrates.
Diz a autora que Carlos Cruz gostava de trabalhar com ele: “considerava que José Sócrates era um grande profissional, com objectivos bem definidos, uma pessoa muito organizada (pena que mais tarde, na altura do processo Casa Pia, tenha virado as costas ao Carlos, mostrando que esses objectivos eram mais importantes do que mostrar apoio a um amigo em dificuldades)”.
Esta é a questão fundamental.
Sócrates tinha como objectivo ser primeiro-ministro. Esqueceu a amizade com Carlos Cruz e nunca mais falou com ele, após este ter sido preso.



O QUE SE PASSOU

Foi esta a matéria que eu abordei numa crónica publicada no “Correio da Manhã”, pouco antes de o líder socialista ganhar as eleições legislativas de Fevereiro de 2005.

Nessa altura, eu escrevi:

Aprendi a diferença entre amizade muito sólida e amizade íntima. Quem me ensinou foi o Engenheiro Sócrates, em entrevista dada a este jornal.
O que é que Sócrates diz sobre Carlos Cruz ?
Refere que estabeleceu uma relação próxima com o apresentador televisivo, com Miranda Calha e com Gilberto Madaíl: criou «uma amizade muito sólida com os três. Reuníamos quase todos os dias ao pequeno almoço e passámos juntos por momentos complicados e isso uniu-nos».
Mas quando lhe perguntam se tem falado com Carlos Cruz, responde logo: «Não, não. Aconteceu-lhe aquilo, depois ele estava preso e eu não faço parte do seu grupo íntimo de amigos».

Portanto, a distinção entre amizade muito sólida e íntima faz toda a diferença. É o que permite decidir entre contactar ou não um preso”.



SÓCRATES NÃO GOSTOU

Naturalmente, José Sócrates não gostou mesmo nada do que eu redigi.

Quando ele tomou posse como primeiro-ministro, a minha vida mudou.

O “Correio da Manhã” comunicou que me dispensava como colunista semanal.

Como recompensa, Sócrates convidou o director do "Correio da Manhã" para substituir José Eduardo Moniz na TVI, embora o convite tenha sido recusado. O então primeiro-ministro queria Moniz e Manuela Moura Guedes fora da TVI, como veio a acontecer. Sócrates dizia que o "Jornal Nacional" de sexta-feira, apresentado por Manuela Moura Guedes, era "travestido".


O JUIZ SOCIALISTA E O PROTECTOR DE SÓCRATES

Iniciou-se a perseguição de que eu fui alvo pelo conselho superior de magistratura.

O vice-presidente deste órgão era o juiz socialista Santos Bernardino. Mal soube da vitória do PS, este magistrado foi festejá-la para o Hotel Altis, juntamente com Sócrates. Santos Bernardino envergou um cachecol do Partido Socialista. Deixou-se fotografar assim, ao lado de Alberto Costa, que dias depois viria a tornar-se ministro da justiça.

Por outro lado, Noronha do Nascimento presidia à entidade. Trata-se do juiz protector de José Sócrates, seu grande amigo. Ordenou a escandalosa destruição das escutas telefónicas no caso Freeport.

O conselho superior de magistratura moveu-me um processo disciplinar. Invocavam o teor do meu blogue e das minhas crónicas jornalísticas. Eu sempre soube o que tinha causado tanto incómodo: o artigo sobre a amizade entre José Sócrates e Carlos Cruz.

Estou muito grato. Actualmente, ganho mais, Recebo a pensão de aposentação e, enquanto advogado, não me posso queixar da falta de clientes.



TEXTO INTEGRAL
Crónica publicada no jornal “Correio da Manhã”, de 11 de Julho de 2004
(http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/opiniao/um-amigo-na-cadeia)


UM AMIGO NA CADEIA

Aprendi a diferença entre amizade muito sólida e amizade íntima.
Quem me ensinou foi o Engenheiro Sócrates, em entrevista dada ao Correio da Manhã.
Ele foi um dos membros mais dinâmicos e competentes do governo de Guterres. Na oposição, tem-se destacado pelo seu valor. É um político de excepção.
No Ambiente, lutou firmemente pelos seus ideais. Preservou a zona costeira e, em particular, as praias. Já como ministro, tendo a seu cargo o Desporto, fomentou a prática, indo muito para além do espectáculo. É a ele que devemos a realização do Euro 2004.
Precisamente porque José Sócrates é um homem de acção, fiquei um pouco surpreendido com estes preciosismos linguísticos. Aliás, em nada se comparam às reflexões verdadeiramente significativas do filósofo grego seu homónimo.
Ora o que é que Sócrates diz sobre Carlos Cruz ?
Refere que estabeleceu uma relação próxima com o comunicador, com Miranda Calha e com Gilberto Madaíl: criou "uma amizade muito sólida com os três. Reuníamos quase todos os dias ao pequeno almoço e passámos juntos por momentos complicados e isso uniu-nos".
Mas quando lhe perguntam se tem falado com Carlos Cruz, responde logo: "não, não. Aconteceu-lhe aquilo, depois ele estava preso e eu não faço parte do seu grupo íntimo de amigos".
Portanto, a distinção entre amizade muito sólida e íntima faz toda a diferença. É o que permite decidir entre contactar ou não um preso.
Visitar um detido não significa que se concorde com o crime de que ele é acusado ou pelo qual cumpre pena. Tão pouco quer dizer que se acredita na inocência que eventualmente ele proclame.
Quando Costa Freire foi preso, este já não desempenhava as funções de Secretário de Estado. Leonor Beleza era Ministra da Saúde. Não deixou de visitar na cadeia aquele que a servira.
O Presidente Mário Soares avistou-se com Bettino Craxi, foragido à justiça italiana.


COMENTÁRIOS NA EDIÇÃO ON-LINE:


“Senhor Dr. Juiz, os meus parabéns pela sua crónica. Homens frontais e seguros como V. Exa. são precisos, aos montes, neste país de gente mesquinha, infinitamente mesquinha.
Até pode ser que Sócrates não o seja, mas, então é medroso, porque não tem coragem para enfrentar a mesquinhez deste povo. Lições como a sua são necessárias todos os dias. Muito obrigado. Viva a verticalidade, abaixo o medo e a mesquinhez!”
Comentário feito por: João de Castro


“Em que mundo é que vivemos!? O egoísmo e a individualidade reinam sobre o amor ao próximo...”.
Comentário feito por: Luís Fernando


“Amizade só pode ter um significado e um sentido - lealdade e cumplicidade nas boas e más horas. Quem não é capaz de ser solidário nos maus momentos não sabe ser amigo e deve ser dispensado.
Seria útil interrogar algumas figuras públicas como Carlos Cruz e Vale Azevedo que passaram momentos difíceis sobre o que eles têm a dizer sobre os tais amigos da... onça que agora vão começar novamente a aparecer. Devem ter muitas e tristes histórias. Por isso um voto de apreço a quem deu a cara por eles”.
Comentário feito por: Ricardo Carvalho


“Ninguém é perfeito...
O Sr. Sócrates, já o desconfiava, está do lado errado do balcão, não pertence definitivamente, ao lado dos Eleitos e muito menos dos Escolhidos.
Eu mesmo, hoje ateu, até à minha adolescência católico, tenho ainda bem presente o quão importante era para a Igreja praticar a Caridade visitando doentes e presos.
Hoje, sabemo-lo bem, a publicidade por exemplo no-lo ensina, dar ênfase a qualquer coisa não é um sinal de força antes de debilidade, combater debilidades, enfraquecimentos é, justamente, um dos leitmotiv do trabalho publicitário.
Desde muito cedo o homem, na relação com o outro, sabe o quão importante, conveniente, transcendente são estas coisas, chame-lhe ele Caridade, Solidariedade, Amizade e o quão difícil é para o comum dos seus semelhantes estar à altura destas mesmíssimas coisas, daí, dia após dia, ano após ano, século após século, o seu apego militante, prosélito, nestas e outras matérias que ele reputa essenciais para o homem que almeja ser.
Só os Bons, os Escolhidos muito mais do que os eleitos vão dando luta séria e pertinente ao pequeno sócrates que existe em todos nós. Que não seja por causa desta pecha socratesiana que outros, com certeza melhor talhados, vão desistindo...”.
Comentário feito por: Eduardo