quinta-feira

O JOGO DA MALA


Vou-me referir a um caso em que a generosidade e a boa-vontade resultaram num processo judicial contra um grande profissional da comunicação, que actuou com a melhor das intenções.
António Sala apresentava diariamente o programa radiofónico “Despertar”, com uma audiência extraordinária. Contava com uma rubrica intitulada “O Jogo da Mala”. Os ouvintes tinham que se manter atentos. Todos os dias, era seleccionada aleatoriamente uma pessoa que recebia um telefonema em casa. Se tivesse escutado a emissão cuidadosamente, saberia responder à pergunta que lhe era formulada: quanto dinheiro existe na mala? Acertando, ganhava o montante em causa.
Certa manhã, António Sala entrou em contacto com uma habitante de Madalena, uma localidade do concelho de Paredes, perto de Gondomar. A senhora admitiu desconhecer qual a soma. O popular radialista comunicou-lhe que acabara de perder cerca de cinquenta contos.
A mulher começou a lamentar-se, afirmando que aquele dinheirinho dar-lhe-ia muito jeito. Tinha vivido em África. Regressada a Portugal, levava uma vida que era uma tristeza, com o marido e os quatro filhos. Tinham passado fome e frio, sem dinheiro para comer e continuavam a viver muito mal.
A maior parte das pessoas comoveu-se com aquela história.
O Engenheiro Cansado de Carvalho era membro da Liga de Amigos da Rádio Renascença, o canal que difundia o programa. Com um coração de ouro, disponibilizou-se a enviar um cheque pessoal, entregando do seu bolso a verba em jogo. Antes de o programa terminar naquele dia, Sala anunciou a benemérita oferta.


A VERDADE


Contudo, outras pessoas moradoras na zona de Paredes também tinham ouvido a emissão. Alertaram para o facto de aquela senhora ser casada com um funcionário das Finanças, habitando em casa própria e possuindo uma quinta. Os filhos tinham bons empregos.
O locutor de rádio actuou de forma inteligente. Voltou a telefonar à farsante, prevenindo-a de que a conversa seria gravada para posterior transmissão. A mulher acabou por confessar que as informações sobre a sua verdadeira situação económica não eram reais. O cheque já não seguiu.
Num dos programas seguintes, António Sala anunciou o que se passara, reproduzindo a conversa havida com a tal pantomineira. Leu ainda uma carta enviada pelos Bombeiros locais, explicando que aquela família vivia de forma muito equilibrada e que um dos filhos trabalhara para a corporação, mas fora dispensado por não cumprir os horários.
Este filho da gananciosa mulher resolveu queixar-se de Sala, movendo-lhe um processo em tribunal. Como o jornal “Expresso” titulou, era caso para dizer: “por bem fazer, mal haver”.
A situação encontra-se descrita nas interessantes “Memórias” de António Sala, recentemente editadas.