Embora a maior parte dos juízes portugueses sejam do sexo feminino, nos tribunais superiores a primazia ainda cabe aos homens. São magistrados com mais antiguidade na carreira. Somente em 1977, tomou posse a primeira mulher que assumiu o cargo de juíza.
Portanto, é natural que nos Tribunais da Relação haja menos senhoras.
Os respetivos juízes denominam-se desembargadores.
Julgam os recursos interpostos das sentenças proferidas em primeira instância.
Ao apelar para um órgão superior, cria-se um embargo, estorvo, embaraço ou
impedimento. Ao decidir a matéria, desfaz-se o obstáculo, desaparece o entrave
e a questão fica resolvida. Daí que o juiz retire o embargo ou desembargue. É
esta a origem daquele vocábulo.
Uma das primeiras juízas desembargadoras da Relação de
Lisboa adorava a sua profissão. Mas um desgosto de amor levou-a a ter menos
apego pela vida.
E decidiu morrer, suicidando-se. Antes, porém, redigiu
uma carta de despedida. Solicitava que fosse enterrada, envergando a sua beca,
a vestimenta preta que utilizava no exercício da profissão.
CAMISA DE SETE VARAS
No dia seguinte ao falecimento, às nove da manhã, o pai
da infeliz juíza encontrava-se na Praça do Município, aguardando que se
abrissem as portas do tribunal. Abordou um funcionário, para que lhe entregasse
o paramento e o funeral se realizasse de acordo com a vontade da finada.
Prestimoso, o oficial de justiça encaminhou o
inconsolável progenitor para junto do armário onde a beca se achava guardada.
O diabo é que a porta do móvel encontrava-se trancada.
Com a pressa, não se conseguiu localizar a chave. O arrombamento não era coisa
fácil sem provocar danos sérios. Por outro lado, estava fora de questão
contrariar aquele desejo expresso da defunta.
Ali à mão, num bengaleiro, achava-se pendurada a
indumentária profissional de um juiz alto e entroncado, com características
físicas bem diversas da aparência delicada e frágil da senhora que ia a enterrar.
Na ânsia de não reter por mais tempo o desolado pai que
se via na triste sina de enterrar a filha, o funcionário judicial discretamente
apontou-lhe a beca que resolveria o problema. A desembargadora, que decidira
pôr termo à vida, seguiria no caixão devidamente paramentada.
No dia seguinte, lá apareceu a chave do armário. No
bengaleiro, surgiu novamente uma beca. A da juíza falecida, naturalmente. Uma
veste de dimensões bem menores, apropriada para quem não tinha grande amplitude
de ombros nem braços compridos e largos.
Imagine-se a cena que ocorreu quando chegou o
magistrado dono da beca substituída. Pegou no traje negro. Ataviando-se, não
ultrapassou o óbvio tolhimento resultante de as mangas não corresponderem às
dimensões dos seus membros superiores. Ou seja, não se desembargava…
Encontrava-se metido numa camisa de sete varas.
Concluindo que aquela não era a sua beca, estava longe
de imaginar que a mesma se encontrava uns quantos palmos abaixo da terra.