É lugar-comum dizer-se que, antes da revolução de 1974,
as mulheres não tinham acesso à magistratura. Não podiam ser procuradoras ou
juízas.
Corresponde mais ou menos à verdade.
Há 100 anos, Regina Quintanilha tornou-se na primeira
advogada da Península Ibérica. Atualmente, mais de metade dos juristas em todas
as profissões, são do sexo feminino.
Mas, efetivamente, até ao 25 de Abril, certos cargos
estavam vedados, por lei, às senhoras. Era o que se passava com a carreira diplomática.
No domínio da justiça, as coisas eram mitigadas.
Somente a magistratura continuava um feudo exclusivamente masculino. As
mulheres ingressavam em todas as outras funções. Eram notárias, preparando
escrituras nos seus cartórios. Ou trabalhavam nos registos, como conservadoras.
Os meios académicos estavam abertos. Aí pontificava
Isabel Magalhães Colaço, professora da Faculdade de Lisboa. Doutorou-se em
1954. Passaram 38 anos até outra mulher atingir igual grau académico em
Direito.
ESTATUTO JUDICIÁRIO
Em junho de 1971, o Estatuto Judiciário foi modificado.
Legalmente, já era possível as mulheres desempenharem as funções de
subdelegadas do procurador da República. Além disso, durante as férias
judiciais, os magistrados do Ministério Público eram substituídos pelos
notários. Deixou de haver impedimento legal para que tal ocorresse com uma profissional
do sexo feminino.
Ora logo em Setembro desse mesmo ano, em Cascais surgiu
um cadáver nas escadas junto à esplanada da Baía. Claramente, o homem tinha sido
assassinado à pancada. Veio-se a concluir que era um turista inglês, que
habitualmente passava férias em Portugal. Brian Burrows era cabeleireiro e,
certamente, um daqueles "homens
educados, mas de hábitos estranhos": o eufemismo utilizado para
designar os homossexuais.
Ao que parece, ele envolvera-se com dois portugueses,
um descarregador de peixe e um servente de pedreiro. Numa viela que dava acesso
à praia da Rainha, foi brutalmente sovado. Após ter sido descoberto o corpo,
não foi difícil identificar e localizar os dois assassinos.
À PROCURA DO SUBSTITUTO
Encontrando-se ausente o delegado do procurador da
República, o escrivão do tribunal já sabia como agir para convocar o substituto
legal, que era o tabelião do cartório notarial.
Acontece que, em Cascais, a notária era Maria Inês Pita
Teles de Melo Menezes e Castro. Já não havia obstáculo na lei para que ela
representasse o Ministério Público. Assim, ficou encarregue do processo
judicial em que os dois cascalenses eram acusados do homicídio de Brian Burrows.
Inês Menezes e Castro foi a primeira mulher portuguesa
no Ministério Público, hoje liderado por Joana Marques Vidal.
O episódio é recordado num interessantíssimo livro de Helena
Matos, consultora histórica da série televisiva "Conta-me como foi". A obra intitula-se "Os Filhos do Zip-Zip".