terça-feira

UTILIZADOR DOS TEMPOS LIVRES



Por mais inútil que o indivíduo seja, o dever do funcionário público é não utilizar demasiado a impressora do computador, poupar tinta e não gastar papel inutilmente. Mesmo que seja pouco entendido em tecnologia e apenas tenha vagas noções de informática na ótica do utilizador, o melhor é utilizar os tempos de ócio a fazer outra coisa qualquer que não implique a profusão de papelada inútil.
No tribunal de Sintra, como se não bastasse um regulamento interno, todo ele ilegal, ainda houve quem se lembrasse de reproduzir uma das suas pérolas: os deveres dos “utilizadores e utentes”. Nenhuma pessoa preocupada com as reais questões da justiça portuguesa estaria interessada em elaborar sobre a distinção entre estas duas categorias.


O UTENTE SERÁ UTILIZADOR?

A esterilidade é utilizada ao extremo quando este utente entende ser boa ideia impor uma certa visão sobre a apresentação dos “utilizadores e utentes”. Segundo ele, há que ser solene e digno quanto à indumentária.
O carteiro, com a sua capa impermeável toda molhada, sempre escapa. Com certeza, não será considerado “utilizador e utente” do tribunal.
Rui Teixeira estaria bem arranjado se viesse a ser colocado em Sintra. Antes de sair de casa, ele teria de se arranjar melhor. Quando dirigia o jornal “Público”, José Manuel Fernandes, pessoa também empenhada em solucionar os grandes problemas judiciais, aconselhou o juiz do processo Casa Pia a não ir tão mal vestido para o tribunal.
Na ocasião, eu reagi, pronunciando-me sobre a forma Como Deve um Juiz Vestir-se


PARAMENTOS E UNIFORMES

No que à matéria diz respeito, apenas estão em uso duas regras.
Juízes, procuradores, advogados e funcionários têm de se paramentar, com becas, togas e capas.
Todos devem apresentar-se de cabeça descoberta, mesmo quem enverga uniforme que inclua boina. A única exceção seria um causídico que decidisse aparecer de barrete.
Nem sempre há observância destas normas, bem simples.
Surgem funcionários sem capa, o que é indesculpável. Vêem-se senhoras muçulmanas de véu na cabeça, o que porventura será autorizado à luz de preceitos constitucionais.


ISSO AINDA SE USA?

Tudo o mais são opiniões indesejadas, sem qualquer utilidade pública.
Não interessa se as calças à boca-de-sino ainda se usam, se fica bem utilizar uma camisa de lantejoulas num dia útil ou se alguma utente confere má utilização ao calçado, transformando-se numa gata das botas. 
As notificações para comparecer em tribunal obedecem a um detalhado regime legal. 
Nunca ninguém se lembrou da utilidade de incluir dress code ou menção de traje nas convocatórias.
As audiências são públicas e é fundamental que os julgamentos estejam abertos a todos, independentemente do vestuário que escolhem.
Complicar, criar obstáculos, colocar entraves e inventar obrigações que não existem até pode ser útil para quem deseja um emprego descansado, sem escrutínio popular. Talvez seja divertido para quem se entretém a utilizar o tribunal com a finalidade de exercer as funções de polícia da moda.
É essencial repudiar o utilizador que confunde o tribunal com o salão de banquetes de Estado de um palácio oficial.








Betty Grafstein e José Castelo Branco,

no tribunal de Famalicão.