Fui aluno de Jorge Miranda, nos meus primeiros anos da
Faculdade de Direito de Lisboa, em meados da década de 80. A instituição
regressara à normalidade depois de um agitado período.
Como muitos outros, o professor de Direito Constitucional
foi saneado em 1975.
O pretexto foi o seguinte. Castro Mendes, conhecido
advogado, propusera ao conselho científico que aprovasse um voto, formulando o
desejo de que Marcello Caetano, exilado no Brasil, voltasse à sua cátedra na
Faculdade.
Pegando na ata daquele órgão, um grupo de estudantes
deliberou expulsar os professores que tinham concordado com a moção. Os que não
estavam abrangidos pelo afastamento demitiram-se, em solidariedade para com os
saneados.
Dias depois, Jorge Miranda dirigiu-se ao escritório de
João Castro Mendes, igualmente docente de grande prestígio, mas que gozava da
vantagem de auferir os rendimentos próprios de quem exercia advocacia.
Conversaram e o causídico veio com uma proposta.
Tinha ali um caso complicado, em que se colocava um
difícil imbróglio legal. Pediu ao constitucionalista que estudasse a
documentação e elaborasse um parecer jurídico.
Jorge Miranda elaborou o seu relatório. Castro Mendes
pagou-lhe em conformidade.
Só muito mais tarde é que o bracarense soube da
verdade. Fora um lindo gesto, de elevada generosidade. O processo estava mais
do que encerrado. Tudo não passara de uma forma de proporcionar uma missão
remunerada ao reputado mestre.
CHOVIA COPIOSAMENTE
Entretanto, Jorge Miranda continuava a lecionar na
Universidade Católica.
Quase dois anos depois, em fevereiro de 1977,
terminadas as aulas, sob copiosa chuva, Jorge Miranda aguardava a chegada de
sua mulher, que viria no carro da família.
Mas antes de surgir Madalena, aproximou-se Durão
Barroso. Ainda estudante, expôs um verdadeiro imbróglio, este mesmo real e bem
atual.
Lá na FDL, um jurista fazia as vezes de professor e as
aulas práticas eram ministradas por alunos finalistas. O diabo é que o tal
responsável pelo ensino de Direito Constitucional não dava sinal de vida havia
duas semanas. Agora eram os próprios estudantes que pediam a Jorge Miranda para
regressar.
Após dialogar com a saudosa Professora Isabel de Magalhães
Collaço, o lente acedeu. Ocupou o lugar mediante despacho proferido pela única mulher
doutorada em Direito, à época.
Para monitores, que acompanhavam os discípulos nas
lições práticas, Jorge Miranda escolheu quatro estudantes dos últimos anos.
Entre eles contavam-se Pedro Santana Lopes e o próprio Durão Barroso.
Já no meu tempo de discente, nas aulas, nos intervalos
e até mesmo em provas orais, Jorge Miranda ia contando várias peripécias,
algumas ocorridas no parlamento, outras no tribunal e, em certas ocasiões, na
universidade. Mas estes episódios apenas os conheci agora. Graças ao mais
recente livro do constitucionalista: “Da Revolução à Constituição”.