Empatia é algo de importante para um juiz. A
identificação com determinada pessoa ou colocar-se na posição de outrem permite
avaliar corretamente o caso e proferir uma decisão justa, que restabelece a
ordem social.
Curiosamente, a palavra deriva do conceito de paz. Empate
é o equivalente ao vocábulo latino pactum:
ajuste, acordo. Tem raiz na pax, a célebre
paz romana.
Empatizar não significa que o processo termine num
empate.
Ao tribunal está vedado o comodismo de não resolver a
questão. O litígio tem de ser solucionado e é legalmente proibida a abstenção:
o non liquet.
Por vezes, faz-se referência à dúvida razoável, a um
estado de incerteza que beneficia o acusado, conduzindo a que ele seja ilibado.
Dizia Voltaire que é preferível um culpado em liberdade a um inocente na
cadeia.
Contudo, deliberadamente a lei portuguesa não consagra
o princípio in dubio pro reo. Ou se
faz prova ou nada se demonstra. Só há culpados e inocentes. Apenas se pode
condenar ou absolver.
DILEMA
Resolver a querela nem sempre é fácil, mas impõe-se.
Os estudantes de Direito e Filosofia são confrontados
com o dilema do ferroviário que tem o poder de impedir a colisão entre dois
comboios, evitando dezenas de mortes entre os passageiros. Mas, para isso, há
que mudar a agulha da linha férrea. A composição que seguia o seu curso normal
é desviada para uma linha onde se encontra um trabalhador que será trucidado. O
operário não poderia contar com nenhuma locomotiva a circular ali.
Quando, há três décadas, no primeiro ano da Faculdade,
fui confrontado com a questão, logo me lembrei de um caso real contado por meu
Avô materno.
RÁPIDO
A cena passou-se muito antes de haver intercidades,
alfas pendulares, regionais e urbanos.
Circulava o rápido para o Algarve e com destino ao
Porto. Os outros, os que ronceiramente paravam em todas as estações e
apeadeiros, teriam certamente designação própria que desconheço.
Pois três inspetores dos caminhos de ferro
encontravam-se numa localidade alentejana.
A situação era esta. Dias antes, o chefe da estação
deparou-se com um problema. Ali tinha chegado uma dessas máquinas com as suas
carruagens, ainda mais lentamente do que era previsto. O atraso era
significativo.
Ora quinze minutos depois viria o rápido proveniente do
Barreiro.
O homem optou pelo seguinte. Encaminhou o primeiro
comboio para a linha de resguardo. Fê-lo esperar pela composição mais veloz.
Mas esta manteve-se dentro do horário.
FINAL FELIZ
No local, o trio de supervisores apreciava se o modo
como ele agira fora correto. Um dos sujeitos era perentório ao concordar com o
desempenho do responsável:
- Se o chefe da estação não fizesse assim, teríamos
dois comboios atrasados. Lá ia o rápido atrás do outro, seguindo em direção a
Faro ao mesmo ritmo.
Mas um dos seus colegas manifestava a opinião
contrária:
- Pois a mim afigura-se-me que atuou desadequadamente. O
comboio já chegara tarde. Afastou-o para deixar passar o rápido, provocando um
atraso ainda maior. Há que dividir o mal pelas aldeias.
E não se entendiam.
O fiscal que ainda não se pronunciara tomou a palavra.
- Oiço-vos a debater a dificuldade há uma boa
meia-hora. Ponham-se na pele deste chefe da estação, ao anoitecer, de
guarda-chuva na mão, naquele dia de grande pluviosidade. Ele tinha que tomar
uma decisão sozinho, em poucos minutos, pressionado pela urgência em determinar
qual a solução. Haveria sempre vantagens e inconvenientes.
E concluiu:
- Vocês os dois não chegam a um consenso mesmo após ponderarem
longamente sobre todos os argumentos. Temos de concordar. Qualquer que fosse a resolução
do pobre homem, seria sempre uma boa decisão.
Ficou arrumado o assunto e o coletivo julgou não
instaurar nenhum processo disciplinar.