Na data de sua morte, meu Avô materno possuía a
qualidade de sócio número 1 do Club Naval Barreirense.
No seu mandato de presidente da agremiação, registou-se
um momento alto: a sede passou a dispor de ligação à rede pública de
eletricidade.
Estava-se em 1938. As instalações, ainda hoje
existentes, situavam-se numa zona isolada, em extremidade que liga a terra à
água. A colocação de postes era onerosa. Certamente o rendimento resultante do
consumo de algumas lâmpadas, de uma telefonia e de um amplificador ligado a
altifalantes não compensaria aquela despesa.
A questão foi superada graças às relações de amizade do
meu ascendente com Raposo de Oliveira, proprietário da central elétrica que
servia a localidade e que havia sido inaugurada na década anterior.
Uma grandiosa festa assinalou o dia em que os amantes
das atividades náuticas passaram a contar com aquele importante benefício.
OS FRANCESES E OS DE PENICHE
Na mesma vila, o Pai de minha Mãe dedicou-se a outras
causas.
Destacou-se no cineclubismo e no apoio a órfãos de
ferroviários.
Pontificou na direção dos “Franceses”, nome por que ficou conhecida a Sociedade Democrática
União Barreirense. Era uma alcunha pejorativa, como se os seus membros fossem
adeptos dos gauleses na guerra contra a Prússia. O epiteto fora atribuído por
uma coletividade rival, que, em troca, recebeu o cognome de “Penicheiros”, para a associar ao Conde
de Peniche, julgado em 1872 pelo seu envolvimento na Pavorosa.
Uma das atividades cívicas de meu Avô tinha uma forte
carga política, de alguma oposição ao regime salazarista. Dinamizou um grupo de
estudo de esperanto, a língua artificial criada por Zamenhof, médico judeu
nascido na Polónia. O espírito universalista inerente ao idioma não se
compatibilizava com a ideologia do Estado Novo. Era um modo subtil, mas
perfeitamente legal, de demarcação relativamente à situação.
ESTUDOS
Noutros tempos e numa escala diferente, na agonia da
ditadura, surgiu uma associação de caráter nacional que tinha o potencial de
interessar todo e qualquer habitante de Portugal.
O sócio número 1 era, e é ainda hoje, António Guterres,
líder nato, desiludido com a Mocidade Portuguesa.
A ideia de Guterres e dos seus correligionários era a
de encontrar um ponto comum que dissesse respeito a qualquer pessoa,
independentemente de idade, profissão, género, posses, grau de instrução ou estatuto
social. Com certeza poderia haver estudos, mas com uma significativa componente
pragmática, de efeitos úteis na vida quotidiana da população. O engenheiro
associou ao projeto alguns amigos, como Vítor Melícias, padre que viria a
chefiar a União das Misericórdias, e António Motta Veiga, irmão da primeira mulher
de Marcelo Rebelo de Sousa.
Ora todos nós somos consumidores. Estamos interessados
em conhecer resultados de testes, mostrando que produtos oferecem maior
qualidade e onde os podemos adquirir de forma mais vantajosa.
Em 12 de fevereiro de 1974, nasceu a DECO, associação
de defesa do consumidor. A primeira análise, comparando os preços de 31 artigos
em dois supermercados, foi difundida já após a revolução de abril, dois dias
após a destituição de Marcello Caetano.
O principal dinamizador revelava já notáveis qualidades
de visionário, que mais tarde o conduziram à chefia da ONU.