Até 1975, o processo de separação judicial de pessoas e
bens era o meio utilizado por quem pretendia colocar termo aos principais deveres
impostos pelo casamento católico. A anulação perante os tribunais eclesiásticos
pressupunha, e pressupõe, o reconhecimento de que não chegou a existir
verdadeira comunhão conjugal, o que apenas sucede em casos raros.
Na sua autobiografia, que agora chegou às livrarias,
Helena Sacadura Cabral refere-se ao complicado julgamento que levou à
dissolução do seu matrimónio.
A economista casou muito nova. Os dois filhos nasceram numa
unidade de saúde pertencente a um familiar, a Clínica Cabral Sacadura, ainda
hoje existente. Fica mesmo junto ao El Corte Inglés, em Lisboa.
Era ali que vinham ao mundo os chamados bebés-Cesina.
Aqueles cujas mães eram acompanhadas pela médica obstetra que introduziu o
parto sem dor em Portugal.
Eu e meus irmãos também brotámos naquele ambiente.
Logo após minha Mãe libertar a Isabel de seu ventre,
Helena baixou à clínica. Nasceu Miguel Portas, conhecido pela sua atividade
política à esquerda.
Uns meses depois de a minha irmã Dulce nascer, no mesmo
quarto ou noutro ali perto, surgiu Paulo Portas, que se posicionou na direita.
ARQUITETO
O progenitor masculino era o prestigiado arquiteto Nuno
Portas, que encarava a vida de forma intensa.
Mantinha uma fortíssima ligação com Jorge Sampaio, com
quem estivera envolvido na crise académica. Anos mais tarde, Portas abandonou o
PCP. Com o jurista, fundou a IS: Intervenção Socialista. A organização resultou
dos frequentes encontros no Hotel Florida, mesmo junto às instalações da TAP,
onde desempenhava funções Maria José Ritta, com quem o causídico viria a casar.
A agremiação inspirava-se no partido comunista italiano, em rotura com o modelo
soviético.
Em 1978, a IS extinguiu-se e a maioria dos seus membros
foi convidada a aderir ao Partido Socialista. Mas havia algumas reservas quanto
ao ex-marido de Helena Sacadura Cabral. Sampaio foi perentório:
- Ou entram todos os que queiram inscrever-se no PS ou
não vai nenhum.
Mário Soares e Salgado Zenha subscreveram as propostas
dos 21 novos militantes.
O AMOR É VERDE
As oscilações do homem das Belas Artes tinham-no
levado, entretanto, a um romance com uma mulher fascinada pelos espaços verdes.
Da ligação, nasceu a jornalista Catarina Portas.
Helena Sacadura Cabral não se importaria de ter mantido
o casamento e abrir as portas de sua casa à menina, como aliás sempre o fez.
A opção do marido foi a de assumir o novo
relacionamento e seguiu-se o tal processo que só culminaria em verdadeiro
divórcio após a revolução de 1974.
NO MEIO DE ADVOGADOS
O criador de edifícios não teve dificuldade em escolher
quem o representasse em tribunal. Obviamente, lembrou-se do seu amigo Jorge,
que prontamente aceitou. Naturalmente, a especialista em Finanças guarda a
sensação de que o brilhante Advogado cuidou muito bem dos interesses do esposo,
mas não teria prestado tanta atenção quanto à pensão de alimentos devida às
crianças.
Helena Sacadura Cabral valeu-se de um profissional de
mérito incontestável, José Hermano Saraiva, que, no tribunal, de forma
eloquente, expôs as razões da sua cliente.
Um outro Advogado é recordado como tendo tido atuação
decisiva na dissolução da sociedade conjugal que uniu os cônjuges por mais
tempo do que ambos desejariam.
Enquanto Ministro da Justiça, Salgado Zenha renegociou
a concordata com a Santa Sé e atribuiu a todos o direito ao divórcio. A autora
de “Memórias de uma vida consentida”,
lembra assim o político: Permitiu-me “finalmente,
recuperar a minha vida. E eu estava, mais do que ninguém, carente disso”.