No entender de muitas pessoas, incluindo os
mais de dois milhões que votaram favoravelmente o referendo de 2007, a
descriminalização do aborto terá vantagens.
Para mim, apresenta muitos inconvenientes,
dos quais destaco o de se passar a debater livremente se uma determinada jovem
grávida deverá ou não interromper a gravidez.
Namorado ou marido, pais, sogros, irmãos,
amigos, professores, chefes, patrões, colegas: todos têm direito a tentar
convencer a senhora prenhe de que a melhor ideia será não dar à luz, invocando os
motivos que entenderem.
Atualmente, em Portugal, discute-se esta
questão tal como os automobilistas alemães conversam à vontade sobre as
velocidades que atingem nas suas autobahnen,
sugerindo que se percorra a distância entre Munique e Berlim à média de 250
km/h para não perder muito tempo.
NATÁLIA CORREIA
Desejo que, um dia, o código penal seja
novamente revisto, no sentido de proibir genericamente o aborto.
O assunto nunca estará encerrado e merecerá
sempre ampla troca de argumentos, como tem acontecido desde que, há 35 anos,
foi aprovado aquele diploma a definir o que é ou não crime no nosso país.
No seio desta reflexão, o incidente mais
original deu-se quando a brilhante poetisa Natália Correia, falecida em 1993,
decidiu brindar o seu colega deputado João Morgado com um poema em que concluía,
para rimar com o apelido do sujeito, que ele provavelmente seria capado, pois
apenas tinha um filho e defendia que a função do sexo era apenas e tão-somente
procriar.
JOÃO MORGADO
O que pouca gente sabe é que foi dada
réplica às palavras da escritora, cujo excesso de peso era evidente. A
contradita apareceu dias depois, nas bancadas da Assembleia da República, em
fotocópias distribuídas anonimamente, de forma discreta, antes de os políticos
ocuparem os seus assentos. Tratavam-se de mais versos, talentosamente
redigidos, negando razão ao militante do CDS, mas censurando ligeiramente a
social-democrata pela reação tão desabrida.
Até hoje desconhece-se a respetiva autoria,
mas há quem alvitre a hipótese de ter sido a própria intelectual açoriana a responder
à sua cáustica ode anterior.
O delicioso texto tinha o seguinte teor:
Discutia-se, em São Bento
Se o aborto era legal
Com o hemiciclo atento
À questão fundamental
De saber em que momento
As mulheres, em Portugal
Se quiserem, poderão
Suspender a gestação.
A deputada Correia,
Sem ter nada que fazer
Estava lá, na Assembleia
E, talvez p’ra se entreter
Ou p’ra exercitar a veia
Decidiu-se a escrever
Uns versos muito engraçados
Que passou aos deputados.
O tema: um parlamentar
Que, numa frase sem brilho
Lampeiro, veio afirmar
Que apenas p’ra fazer filho
O órgão se pode usar…
Um parecer que não perfilho
Pois acho coisa de louco
Usar-se aquilo para tão pouco…
Coisa de louco e pateta
Chega a ser estragação
Uma tamanha dieta…
E embora diga o rifão
Que uma colher ninguém meta
Entre a fémea e o varão
Eu cá, por mim, não me calo
E opino sobre, Falo!
Começo por dar valor
À opinião da senhora
Discordando do autor
Da tese conservadora
Para a qual fazer amor
É só função geradora
E, sobre isto, mais nada:
Passemos à deputada!
Se um homem, lá por não querer
Usar o que tem de seu
Com frequência, há-de ser
Logo capado?! Deus meu!...
Cá no meu modo de ver
Incorreto, digo eu
Há nisso um grande exagero
Que vou provar, assim espero.
O porquê dessa temperança
Entronca em várias razões
Pode ser porque se cansa
Quando abusa das funções
Ou por ser de raça mansa
(Nem todos serão machões…)
Mas daí a ser capado
Dona Natália… Cuidado!
A não ser que o fundamento
De uma tal abstinência
Fique a dever-se (e lamento
Ter de fazer a referência…)
Ao receio, que é tormento
De quebrar a continência
Com dama anafada e feia…
E se é Natália, correi-a!