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PAI TAXISTA, PAI JUIZ



A pronta reação ao atentado de Barcelona confirma que as autoridades espanholas nunca tiveram contemplações com terroristas.
Para esses criminosos, ser preso no país vizinho não é certamente bom augúrio.
Em 1980, um português rendeu-se após desviar um avião para Madrid.
No entanto, simulou-se que a tripulação ainda estava a ele sujeita, para que se empreendesse o voo de regresso a Lisboa, onde o pirata do ar foi detido por forma a escapar à severidade espanhola.
Todo esse processo demonstra como a realidade é uma e o que é apresentado às autoridades revela-se diferente.


DIÁLOGO

Naquele 6 de maio, o aparelho partiu de Lisboa com destino a Faro, tendo como co-piloto José Correia Guedes, autor do interessantíssimo livro “O Aviador”, que recorda o drama vivido.
O diálogo com o sequestrador foi sempre feito pelo homem de 33 anos, muito mais próximo em idade do jovem sequestrador, com apenas 16 primaveras, do que o comandante, Coutinho Ramos. A conversa decorreu com os dois a tratarem-se por tu, mas com Rui Manuel Costa Rodrigues de pistola em punho, apontada à cabeça do funcionário da TAP.


SALVO-CONDUTO

Em Barajas, a aeronave encontrava-se rodeada de fortíssimo aparato policial, enquanto o responsável pelo descaminho exigia um resgate de 10 milhões de dólares para soltar os reféns, acompanhado de um salvo-conduto que lhe permitisse residir livremente na Suíça.
Quando o rapaz compreendeu que as suas imposições não seriam satisfeitas, desistiu de tudo, convencido pelo aviador, que admitiu sentir alguma comiseração, por força do que considerou tratar-se de síndroma de Estocolmo.
O adolescente pediu para ficar sozinho, com o evidente propósito de disparar sobre si próprio. Mas até no propósito suicida foi demovido por José Guedes, decidido a contribuir para que nenhuma vida se perdesse e que o delinquente não ficasse sujeito à justiça castelhana, fazendo o possível para que ele fosse agraciado com a brandura do sistema luso.


DESCARREGAR

Eduardo Bogarim Guedes, progenitor do profissional da aviação, era juiz no Supremo Tribunal de Justiça, facto que foi logo invocado pelo filho para persuadir o atacante de que tudo se resolveria a seu favor, graças à influência do conselheiro.
Por outro lado, a versão a apresentar seria a de que nenhuma vida tinha estado em risco, pois a arma de fogo encontrar-se-ia descarregada. Para tanto, as munições foram retiradas e ficaram na posse do co-piloto. Um dos projéteis foi até oferecido por José Guedes a Benjamim Formigo, jornalista do Expresso, a quem o aeronauta concedeu o exclusivo das suas declarações.
A pistola ficou com a polícia e nunca chegou a ser devolvida ao legítimo dono, pai do assaltante. O homem era taxista e tinha-a a comprado precisamente para prevenir alguma investida criminosa que o afastasse da sua rota.
A verdade é que Rui Rodrigues esteve apenas seis meses em prisão preventiva e acabou condenado a pena suspensa. O primeiro jantar em liberdade foi na casa do co-piloto, entre a família a quem tanta ansiedade causou.
É um bom exemplo de reinserção social. Nunca mais se meteu em problemas, fez carreira na TSF, na Rádio Comercial, na TVI e na RTP. É casado e tem dois filhos.

(Pedro Fernandes, Joana Vilela, Lisboa Anos 80)