Na obra Campanha Alegre, Eça de Queiroz, cujo
Pai era juiz, escreveu:
Em
Portugal, não há juiz que possa dizer que nunca lhe pediram as cousas mais
estranhas com a naturalidade com que se pede lume para um cigarro.
Por experiência própria, confirmo que as
palavras se mantêm atuais.
Frequentemente, tais estranhos pedidos
surgem numa de duas modalidades.
Por vezes, é prometido dinheiro.
Noutros casos, é realizada uma ameaça.
Nalgumas circunstâncias,
há uma mistura de ambos os fatores, com a antecipação de aborrecimentos sérios, mas também o anúncio de
compensações vantajosas em determinadas condições.
ESCREVER E ASSINAR
O caso mais conhecido de uma sentença
escrita por um juiz e assinada por outro diz respeito a Rui Penha e a Cid Orlando
Geraldo, ambos desembargadores.
Uma arguida iria ser libertada por estar
presa ilegalmente. Mas ao poder político convinha a decisão em sentido
contrário. Penha prontificou-se a ser ele próprio a redigir anonimamente o
texto. No coletivo, foi introduzida uma outra juíza, graças à colaboração de
Cid. Essa mesma magistrada tratou de avisar o jurista que figuraria falsamente
como relator: se ele não ajudasse, perderia o emprego.
AMIZADE
Nesta matéria, tornou-se também famosa a
manobra de Joana Salinas, filha do saudoso linguista Carmo Vaz. Foi o primeiro
professor universitário a explicar que é errado dizer “senhora juiz”. Muito depois, em 2001, o Dicionário da Academia de
Ciências passou a registar a palavra “juíza”.
Quando a juíza-desembargadora surgia com os
seus acórdãos no Tribunal da Relação do Porto, omitia que os mesmos eram da
autoria de duas amigas suas, advogadas. Se alguém quisesse conversar sobre o
caso, o melhor mesmo era falar com aquele par de causídicas, pois elas é que
conheciam o processo. É claro que não trabalhavam de graça e eram remuneradas
pela tarefa.
FUGA
O episódio mais insólito aconteceu com
Joaquim Queirós de Andrada, que pagou para que fosse revogada a sua prisão
preventiva.
Entretanto, ele foi conduzido sob escolta
policial ao Hospital de Santa Maria para um tratamento médico. Escapou, vindo a
refugiar-se no Brasil.
Como já não havia necessidade de decisão
judicial, pediu a devolução da quantia despendida. Visto que não foi reembolsado,
deu com a língua nos dentes e contou tudo.
À PORTA DE CASA
Obviamente que eu próprio também passei por
algumas experiências.
Em pleno agosto, recebi um telefonema incógnito,
com alguns insultos. Uma voz feminina informava-me saber que, naquele preciso
momento, as minhas filhas estavam na piscina de um hotel de Vilamoura, onde me
encontrava alojado com elas. Para os mais impressionáveis, poderia ser
ligeiramente sinistro, pois ainda estava fresca a memória do desaparecimento de
Maddie, 3 meses antes.
Ignorei a ameaça, tal como fiz quando me
surgiu uma assustadora cabeça de cão ensanguentada, à porta de casa.
O TERRENO
Uns tempos antes, numa ocorrência
completamente distinta, tinham-me feito uma proposta.
Todas as semanas, eu jantava com o meu
Amigo Alexandre, fundador da Higifarma.
Ele divorciara-se e, por causa da
dissolução matrimonial, estava a comercializar um bom terreno com projeto
aprovado para construção de uma jeitosa casa. O mais interessante é que distava
vinte metros do colégio frequentado pelas minhas pequenas. Fiz-me comprador do
imóvel e durante algum tempo procurei convencer o vendedor a reduzir o preço.
Como ele conhecia o motivo da minha conveniência relativamente àquele
específico terreno, mostrava-se inflexível.
Os nossos debates amigáveis em torno do
negócio ganharam alguma divulgação.
Um indivíduo, especialmente empenhado em
que eu proferisse determinada sentença, sugeriu-me sem rodeios custear a
aquisição e até a edificação, se eu quisesse.
Como rejeitei a generosa dádiva, tive de
ser eu a suportar os custos do solo onde nada vim a construir. Após a escritura
notarial, também eu me divorciei. Parece que aquele imóvel estava destinado a
trazer o insucesso conjugal aos seus proprietários.