No passado sábado, os dois semanários
rivais, “Expresso” e “Sol”, fundados por dois velhos amigos,
Balsemão e Saraiva, apresentavam na primeira página uma notícia alusiva ao
mesmo tema.
Só que a informação era uma no jornal com
mais anos de existência e precisamente a oposta na publicação surgida já neste
século.
Segundo o “Expresso”, Francisca Van Dunem e Joana Marques Vidal são eternas
rivais.
O “Sol”
esclarece que são amigas.
Talvez nenhuma das informações seja
verdadeira.
Estas duas pessoas têm a mesma idade. Quando
Joana nasceu, Francisca era bebé, vinda ao mundo três semanas antes.
Foram contemporâneas na Faculdade de
Direito de Lisboa.
Em 1979, iniciaram o seu percurso na
magistratura do Ministério Público, para se tornarem procuradoras no Tribunal.
Terão sempre competido, concorrendo
expressa ou implicitamente às mesmas funções. Mas relacionam-se bem, não sendo
garantidamente antagonistas marcadas pela rivalidade.
CONVÍVIO
Ambas têm uma ligação de décadas, com
afinidades intensas, muitos pontos de interesse em comum e um convívio
saudável.
Não haverá exatamente amizade.
A filha
do antigo juiz-conselheiro, que dirigiu a Polícia Judiciária, é uma mulher
solteirona, de personalidade forte, que caminha confiantemente, ostentando força
intrépida e vontade enérgica de liderar. Não constituiu família e nada se lhe
conhece quanto a relações amorosas.
O progenitor da jurista nascida em Angola
era escrivão no tribunal. Mimosa, de uma meiguice feminina bem patente, ela
veio a casar com um colega, professor universitário. Têm descendência. Na sua
família, acolheram também um sobrinho, filho de pais executados no mesmo dia,
após sofrerem bárbaras torturas. Legalmente, o sujeito é mesmo filho da
magistrada, pois foi adotado plenamente na sequência da trágica orfandade.
Ernesto “Che” é hoje um prestigiado académico em Angola.
De modo que entre Joana e Francisca não se
têm proporcionado ocasiões para frequentarem as respetivas casas ou organizarem
passeios, juntando famílias.
DIVERGÊNCIA
Há anos, no exercício dos correspondentes
cargos, ocorreu uma divergência de interpretação da lei e de diferente
abordagem no combate à criminalidade, que representou a desautorização de uma
pela outra.
Mais adiante direi do que se tratou, mas
não creio ser esse o motivo pelo qual a atual ministra se apressou a comunicar
que o mandato da procuradora-geral não será prorrogado.
MOTIVO
São apresentadas mil e uma explicações para
algo que é considerado um pouco estranho. Com dez meses de antecedência, já
sabemos que não ocorrerá a recondução da dirigente do Ministério Público.
Uns declaram que a própria Joana Marques
Vidal não tem interesse em estar lá por mais seis anos. Custa a crer. Ela
poderia terminar a polémica, dizendo precisamente isso, mas não o faz.
Alguns atribuem a origem de tudo a pressões
angolanas.
Não faltam vozes para quem os julgamentos
de José Sócrates e Ricardo Salgado iniciar-se-ão um dia e tal exige que seja
indicado um nome diferente para o Palácio Palmela, na Rua da Escola Politécnica.
Outros pensam que a atual titular do cargo
ficou fragilizada com a divulgação das adoções promovidas pela IURD, quando ela
chefiava os magistrados do Tribunal de Família.
Há quem sugira que poderosos corruptos e
corruptores, receosos de serem apanhados, se sentiriam mais confortáveis com
Joana fora do lugar.
Uns quantos consideram simplesmente que é
vantajoso inovar, mudar a titular do posto, mesmo não havendo obrigação legal
de o fazer.
De forma convincente, certas pessoas
explicam que está tudo acertado consensualmente, para agrado de todos. A chefe
máxima de todos os procuradores não fala do assunto, é convidada para trabalhar
no Luxemburgo como juíza do Tribunal da União Europeia e entra outro indivíduo
para ocupar o seu atual cargo.
ACORDOS
Qual foi então a tal discordância já antiga
entre as duas mulheres de leis?
Uma das juristas deu uma instrução aos seus
subordinados. A outra sobrepôs-se e ordenou precisamente o contrário.
Francisca Van Dunem superintendia os
magistrados do Ministério Público de todos os tribunais integrados numa área
vastíssima, com imensos processos judiciais: Grande Lisboa, margem sul, zona
oeste, Madeira e Açores.
A magistrada inspirou-se numa ideia
peregrina, surgida em Viseu, altamente favorável a quem não aprecia o trabalho
árduo e prolongado de um julgamento. Nessa linha, a procuradora distrital sugeriu
que se fizessem “acordos de sentença”.
Aos arguidos era proposto que não impugnassem a acusação e aceitassem a pena
que lhes era alvitrada. No ar, ficava a perspetiva de sofrerem sanção mais
severa caso quisessem pugnar pela sua inocência na sala de audiências.
Tal aconteceu em numerosos processos,
rapidamente concluídos, numa correria apressada que nunca terminava com inteira
justiça.
DE NOVO EM CIMA
Entretanto, de um dia para o outro, Joana
Marques Vidal aceitou o cargo mais alto do Ministério Público e viu-se numa
posição superior à de Francisca.
Imediatamente, denunciou a ilegalidade
daquelas combinações, que são também desconformes à constituição. Invocou um
estudo de um professor coimbrão e proibiu terminantemente os “acordos de sentença”.
Meses depois, as cadeiras voltaram a sofrer
alterações.
Van Dunem foi sentar-se precisamente no
lugar de quem tinha indicado Joana para procuradora-geral. Sucedeu a Paula
Teixeira da Cruz.
Depois, é o que se sabe. Já enquanto
ministra da justiça, Francisca anunciou uma opinião singular, em que permaneceu
isolada. A constituição proibiria a renovação do mandato da procuradora-geral
da República. Deste modo, era escusado supor-se que a teríamos em funções por
mais 6 anos.