Um cão a prestar depoimento em tribunal, na qualidade de testemunha, é extremamente insólito.
Conhece-se a importância dos canídeos na
atividade policial, pelas referências ao binómio cinotécnico nas esquadras, por
documentários ou através de séries televisivas.
Os K9 são especialmente úteis para
descobrir o que os criminosos escondem: drogas, explosivos, armas de fogo,
dinheiro e cadáveres.
Agora não se espere que os animais
participem na produção de prova, quando se trata de demonstrar que determinados
suspeitos são autores de um delito.
Os cães podem ajudar a desvendar o que se
desconhece, mas não servem para provar o que se alega. Participam na
investigação. Não têm interesse como meio de prova.
No caso de Madeleine McCann, em completa
aflição, ainda houve quem se convencesse que uma diligência probatória seria
proporcionada por cães, numa falsa esperança própria dos desiludidos que
confiam mais em animais do que nas pessoas. É claro que não resultou.
BARCO
Certa vez, em Paris, um cão foi convocado
pelo juiz de instrução criminal a quem competia decidir se dois arguidos iriam
ser levados a julgamento por homicídio.
O caso é curioso.
Jean Aubry, abastado marchand de arte, era
dono de um espaçoso barco de luxo, habitualmente atracado em pleno rio Sena, no
seu cais particular. Prematuramente falecido em virtude de ataque cardíaco, o
negociante deixou a viúva inconsolável. Dominique entrou em profunda depressão
e foi encontrada morta nessa embarcação, na sequência de enforcamento.
A hipótese de suicídio foi prontamente
afastada pela Mãe da desinfeliz.
Perante as autoridades, a progenitora
destacou aspetos que suscitavam dúvidas.
A tragédia ocorreu de noite e a luz
interior do barco estava apagada. Não faz sentido alguém enforcar-se às
escuras. A pobre senhora estava embriagadíssima e a corda utilizada apresentava
um nó de marinheiro, muitíssimo bem feito, incompatível com o estado de quem se
encontra a cambalear. Foi descoberto um copo com a bebida que ela ingeriu, mas
sem que contivesse uma única impressão digital. Claramente, fora objeto de
limpeza.
TESTAMENTO
As suspeitas recaíram sobre Franck Payen.
Dois meses antes, a finada lavrara
testamento a favor deste homem, que era tratado como seu filho espiritual, já
que ela nunca tivera verdadeira descendência.
Franck, uma espécie de ovelha ronhosa, era
filho de uma médica e de um juiz, mas não fora longe nos estudos.
O maior amigo de Franck era Olivier
Eustache, testemunha oficial perante o notário que lavrou a manifestação de
vontade da falecida, deixando os seus 14 milhões de euros a uma só pessoa, com
exclusão da própria família.
Curiosamente, a corda usada apresentava
vestígios biológicos de Olivier.
Os dois homens foram presos e o magistrado
decidiu proceder à original diligência probatória.
A única testemunha da morte era Théo, o cão
que permaneceu ao lado da sua dona.
Segundo um perito veterinário, caso o
animal tivesse visto alguém a matar a viúva, então reagira de forma
profundamente negativa quando se voltasse a cruzar com essa pessoa.
Foi remetida uma contra-fé para comparência
do bicho. À vez, diversos indivíduos confrontaram-se com ele. Polícias e
advogados foram entrando e saindo, sem que Théo se manifestasse. Quando chegou
a vez de Olivier ser colocado à sua frente, o cão ficou agitadíssimo e ladrou
incessantemente.
A verdade é que, tendo sido colhidos
esclarecimentos junto de um especialista em etologia, ele explicou que os
dálmatas, raça a que pertence Théo, são dos cães menos espertos. Explicou que o
tempo decorrido teria apagado traços de memória. O alvoroço canino poderia
justificar-se por uma perturbação causada por menor simpatia com certas pessoas,
por razões que seria impossível apurar.
Franck Payen e Olivier Eustache foram
absolvidos.