domingo
ESPERTEZA SALOIA
Foi com grande prazer que tomei posse como juiz em Almeirim, pertencente ao círculo judicial de Santarém. Passou-se em Setembro de 2002. Um ano depois, fui transferido para Setúbal.
Continuo a ir ao Ribatejo, pelo menos uma vez por semana.
O tribunal de Almeirim foi uma criação extraordinária. Não se justificava que as gentes deste concelho e de Alpiarça se tivessem de deslocar a Santarém.
A comarca não me era inteiramente desconhecida.
O Dr. Castelão de Almeida, ilustre advogado, tornou-se famoso pela sua intervenção em favor de cerca de 900 rendeiros do Frade de Cima, em Alpiarça.
Em 1944, a Quinta da Gouxa foi vendida e o novo proprietário queria expulsar todos os rendeiros. Castelão de Almeida ganhou a causa. Em sua homenagem, os agricultores colocaram uma lápide à entrada da Adega Cooperativa.
Já no século XXI, eu tive dois casos com a Adega Cooperativa.
Não sei se ficaram zangados ou contentes comigo.
É que no primeiro processo neguei-lhes razão. No segundo, reconheci que a Adega Cooperativa tinha sido injustamente acusada.
O Frade de Cima ficou tristemente célebre por causa de um processo de maus tratos a menores. O caso mereceu a atenção de vários órgãos de comunicação social. Um malvado pai espancava os filhos de modo selvático. Espero que a cadeia para onde o enviei o tenha feito reflectir. Certa vez, deu uma tareia brutal ao filho mais velho, porque ele se recusou a ir pedir esmola para depois entregar ao pai.
A revolta da população local foi grande. Houve muita indignação.
De um modo geral, tenho a noção de que no Ribatejo os filhos merecem mais atenções do que na Capital.
Em Lisboa e nos arredores, os infantários abrem às sete da manhã. E não são poucas as crianças que entram a essa hora.
No excelente Conde Sobral, de Almeirim, eu deixava a minha filha mais nova, então com quatro anos, à hora de abertura: oito da manhã. Era a primeira a chegar.
A procuradora-adjunta tinha de permanecer comigo até ao final dos julgamentos. Só ia buscar o seu jovem bebé após as seis da tarde. O pequenino era sempre o único que restava no berçário.
No Ribatejo, o tempo que os pais dedicam aos filhos é de certeza muito superior ao que os alfacinhas consagram aos seus descendentes.
Na zona, aprendi muitas realidades ligadas ao mundo dos tribunais.
Uma distinta professora universitária proferiu uma interessante palestra no Rotary, do qual sou membro.
Fiquei a saber algo de curioso. Originalmente, a expressão “esperteza saloia” não tinha a conotação negativa que hoje assume.
Os saloios eram mesmo inteligentes e não iam em duas cantigas. Quando consultavam um advogado, queriam saber realmente quais as probabilidades de sucesso antes de decidir avançar com um processo em tribunal. Ainda hoje, alguns profissionais do foro são demasiado optimistas. Prometem mundos e fundos aos clientes.
Por isso, os saloios consultavam sempre dois causídicos. Perante o primeiro, desempenhavam um papel. Quando iam ao segundo, faziam o inverso.
Por exemplo, um proprietário queria despejar o rendeiro da sua quinta.
Ia ao escritório do seu advogado e expunha-lhe a situação. O profissional dava o seu parecer.
Logo a seguir, o homem consultava outro profissional. Dizia que era rendeiro e que o proprietário o queria expulsar. O advogado explicava-lhe as possibilidades de defesa.O saloio ficava assim com todos os dados na mão. Tomava a decisão em conformidade.