“As leis mais estúpidas do mundo”. É um pequeno livro agora traduzido para língua portuguesa, que tem feito enorme sucesso.
Não descobri nenhuma menção a leis do nosso país.Mas algumas poderiam estar incluídas na compilação.
Quando um indivíduo é preso, deve ser presente ao juiz no prazo máximo de 48 horas. Apenas quando o Ministério Público entender que o caso não assume gravidade, basta submeter o arguido a termo de identidade e residência. É logo colocado em liberdade.
Portanto, num curto espaço de tempo, o juiz interroga o detido. Ele é obrigado a responder a dois tipos de perguntas: a sua identificação e os seus antecedentes criminais, nomeadamente se já esteve preso. Mais: tem de responder com inteira verdade.
Não conheço nenhum caso de alguém que se tenha recusado a responder a tais questões. Mas se o fizesse, cometeria o crime de desobediência.FALTAR À VERDADE
Agora já há muitas situações em que o detido falta à verdade. Pode mentir quanto ao nome, idade ou antecedentes criminais.
O interesse de fornecer um nome falso é óbvio. Sobretudo no caso de estrangeiros, dificulta muito uma posterior investigação. Alguns dizem ter quinze anos de idade, porque sabem que só pode ir para a cadeia quem tiver dezasseis, no mínimo. São pessoas que não têm documento de identificação ou dizem não o possuir.
É fácil de adivinhar a motivação de mentir quanto aos antecedentes criminais. O juiz tem de decidir rapidamente se o arguido permanece em prisão preventiva.Torna-se difícil obter atempadamente o certificado de registo criminal. Se o arguido for cidadão nacional, com bilhete de identidade emitido em Portugal e nunca tiver sido condenado, o certificado é de imediato passado pelo computador do próprio tribunal. Há uma ligação directa à base de dados. Mas caso seja estrangeiro, emigrante ou já tiver sofrido alguma condenação, a emissão do documento demora alguns dias.
Sendo assim, os criminosos profissionais optam às vezes por omitir que já se encontraram presos e que já foram condenados. Um traficante de droga ou um ladrão pode ter a esperança de ser colocado em liberdade, alegando que aquela é a primeira vez que foi apanhado e que não voltará a cometer mais nenhum crime. Diz que não há risco de continuação da actividade criminosa.
Mas o pior vem depois.
Quando se descobrir que o arguido mentiu, ele fica sujeito a uma pena de prisão até três anos ou multa.
O velhinho Código Penal de 1886 já previa essa punição. Mas só castigava quem omitisse uma condenação ou o facto de ter estado preso.
Em 1982, entrou em vigor o novo Código Penal.
As coisas tornaram-se bizarras. Basta mentir para cometer o crime. Portanto, se o arguido disser que já esteve preso, mas tal for falso, é punido. É julgado e arrisca-se a ir mesmo para a cadeia. É o que diz o artigo 359º do Código Penal.
Conheço um caso concreto ocorrido em Almada. Um indivíduo foi presente ao juiz e disse que já tinha cumprido uma pena de prisão. Ainda assim, foi libertado. Quando chegou o certificado de registo criminal, verificou-se que não constava qualquer condenação.
O Ministério Público acusou-o por falsidade de declaração. No julgamento, ele explicou que tinha mesmo cumprido pena. Mas já tinha sido há mais de vinte anos. Daí que a sentença já não figurasse no registo criminal.
Ao cabo de um certo tempo, o registo é apagado. É ao fim de 5, 7 ou 10 anos, consoante a gravidade do crime.
Claro que o arguido foi absolvido porque afinal de contas não tinha mentido.
De todo o modo, quem disser ao juiz que já esteve preso e isso não for verdade, comete o crime previsto no artigo 359º. É muito esquisito.