quinta-feira
ASSINAR SEM LER
“Eu assinei, mas não li bem o documento”.
É algo que se ouve com frequência no tribunal. A explicação não pega. Não cola. Não resulta.
Normalmente, considera-se que uma pessoa que assina sem ler é irresponsável, insensata e inconsciente.
Esse comportamento é associado a imprudência, irracionalidade, leviandade e falta de ponderação.
Quando se faz um contrato de crédito, deve-se ter o máximo cuidado. Alguns vendedores fornecem o contrato e só depois de ele estar assinado, apresentam um outro documento. É a renúncia ao direito de rescindir o contrato. Há pessoas que acabam por assinar esta declaração, sem prestar atenção.
Como já relatei, em Setúbal, rebentou um enorme escândalo quando um vereador da Câmara discursou num estabelecimento de ensino.
Falou ele de um grande poeta. Disse o autarca que Sebastião da Gama ter-se-ia referido a Setúbal como um “cagalh… servido numa bandeja de prata”.
A indignação foi generalizada. Todos sabem que Sebastião da Gama seria incapaz de proferir tais ordinarices.
ARANHA
Este infeliz vereador tem voltado a fazer das suas.
Em plena Assembleia Municipal, o autarca foi confrontado com uma carta muito estranha, que ele próprio tinha assinado.
Esperava-se que ele reconhecesse o erro. É isso que fica bem aos homens honrados.
É o politicamente correcto. Os políticos competentes adoptam essa atitude. Ganham prestígio. Admitir uma falha é uma forma de enfrentar os problemas e corrigir o que se fez de mal.
Este cavalheiro, que pertence ao executivo camarário de Setúbal, deu uma resposta incrível.
Ninguém queria acreditar no que ele se pôs a dizer. É certo que já lhe eram conhecidas afirmações esquisitas. Mas a explicação dele ultrapassou todos os limites.
O indivíduo estava atrapalhadíssimo. Claramente tinha dificuldade em dar uma resposta cabal. Mas ninguém esperava que o embaraço o levasse a um transtorno tão notório.
O vereador disse aquilo que ninguém se sentiria capaz de afirmar naquelas circunstâncias.
Explicou que assinava muitas cartas por dia e que não tinha tempo de as ler todas. Exactamente: assinava sem ler. Não tinha tempo.
O espanto assumiu proporções gigantescas. Não houve gargalhada geral porque o assunto era sério demais para brincadeiras.
Quem está sem tempo, organiza-se: ou delega funções ou mete férias. Não se põe a assinar de cruz.
O senhor em questão viu-se em palpos de aranha naquela noite. Todos repararam nos apuros em que ele estava metido.
Passou a ser conhecido por alcunhas relacionadas com os mencionados palpos de aranha. Na localidade sadina, referem-se a ele como “Mister Aranha”, “Spiderman” ou “Homem-Aranha”.
Em Setúbal, o indivíduo anda a ser gozado por toda a parte. Só se fala nas trapalhadas do aracnídeo.
Ele mostra-se muito abatido. Veste-se de modo descuidado e anda cabisbaixo. Não é visto a esboçar um sorriso. Está metido nos seus pensamentos. Na rua, parece arrastar os ossos e pouca gente o cumprimenta.
Na Câmara de Setúbal, foi tomada uma decisão. É o famoso despacho 439. Agora muitas das cartas são assinadas por um director.