quinta-feira

UM NATAL ESTRAGADO




Ele tinha vindo de um congresso médico no Perú, uns dias antes do Natal.
Tirou muitas fotografias com os colegas.
Actualmente, já não se coloca o rolo a revelar e põem-se depois as fotografias no álbum para mostrar aos amigos.
As máquinas são digitais. Transferem-se as imagens para o computador e depois enviam-se umas quantas, pela Internet, aos interessados.
No entanto, o Ricardo tinha um almoço marcado exactamente com o mesmo grupo. Iam reunir-se num conhecido restaurante de Alcochete.
Ele decidiu então levar consigo o computador portátil e exibir as fotografias durante a refeição. Em casa, podem exibir-se em projecção, como antigamente se fazia com os diapositivos ou slides. No restaurante, o monitor serve perfeitamente.
Era um grupo numeroso e muito barulhento.
Há quem não aprecie demasiada animação nas mesas vizinhas.

A ida a um restaurante é sempre um acontecimento.
Pode ser o mais banal, se almoçarmos todos os dias fora. Deslocarmo-nos ao sítio habitual tem pouco de entusiasmante. Mas queremos sempre ser bem servidos e dar o nosso dinheiro por bem empregue. Ainda que seja uma refeição económica.
Também poderá tratar-se de algo de muito especial caso raramente frequentemos restaurantes. Guardamos essa ida e dispêndio de dinheiro para ocasiões especiais.
Damos sempre valor quando vamos comer fora.
Agora o que não se justifica, de modo algum, é o desfecho deste episódio.
Vai um parar ao hospital e outro vai para a cadeia.
Sem sequer terminarem a refeição.
E com o dono do restaurante a receber só no dia seguinte.
Perderam todos.
Perante toda aquele entusiasmo dos médicos, houve um casal de idosos que começou a sentir incómodo.
Ele, com 67 anos de idade, não podia tolerar mais aquilo. Desatou a chamar “animais” aos comensais da mesa vizinha.
Como os insultos não provocaram grande resultado, sacou de uma navalha de ponta e mola.
Espetou-a por duas vezes no meu amigo Ricardo. A primeira no estômago e a segunda junto ao esterno, quase perfurando a pleura. Não morreu por pouco. Valeu-lhe, em grande medida, o facto de já ter comido muito. Estava de barriga cheia e a penetração da faca sempre foi menor.
A navalha ficou espetada na zona do pulmão.
O curioso é que o Ricardo não deu por nada.
Foi um colega que lhe disse:
- Deixa cá tirar a faca.
- Mas qual faca?
Só então se apercebeu do que lhe tinha sucedido.
Meia hora depois, estava a dar entrada na sala de operações.
O seu estado de saúde era delicado. Recuperou razoavelmente. No entanto, deveria estar em repouso absoluto.
O diabo é que se encontrava no hospital onde desempenha funções. Quem é que iria impedir os seus colegas médicos de o irem visitar?
A dada altura, juntavam-se tantos, que já nem conversavam com o paciente. Punham-se era uns a falar com os outros. O desgraçado do meu amigo implorava:
- Já estou com dores de cabeça! Falem mais baixinho!
Ali bem perto, ficou hospedado o agressor, na prisão do Montijo.
Foi com certeza o pior Natal para qualquer deles.
Entretanto, disseram-me que o homem não tinha licença para usar a navalha de ponta e mola. Perguntaram-me onde é que se obtinha. A minha resposta foi: “em parte nenhuma”. Não existe essa licença.
Tal arma é pura e simplesmente proibida, assim como a borboleta ou a pistola de alarme adaptada a 6,35 mm, que os feirantes costumam vender a preços muito inferiores aos de uma arma legal.
Ninguém pode utilizar este tipo de equipamento.
Só pode ser conservado para efeitos de prova em tribunal ou para fins didácticos.
É o mesmo que sucede com a droga. Os estupefacientes são apreendidos e mantêm-se até ao final do julgamento. Também existem nas escolas de polícias e magistrados.