quinta-feira

O VALOR DE UMA VIDA




Já me referi à tragédia causada pelos Tsunami. Disse que provavelmente nos toca mais o desaparecimento da pequena Mafalda, de oito meses de idade.
Contudo, há algo que temos de levar em consideração.
Nas Faculdades de Direito, ensina-se que a vida é um valor absoluto. Não se pode dar mais valor ao atropelamento mortal de uma criança do que ao acidente que vitima um idoso que sofre de cancro. São sempre casos dramáticos.
No entanto, a própria lei pune mais severamente aquele que atenta contra o Chefe de Estado do que o criminoso que pratica um homicídio simples.
Mesmo no domínio da medicina, os meios são sempre escassos e o seu uso deve ser racionalizado.
Yasser Arafat esteve em Paris hospitalizado, sobrevivendo com recurso a equipamentos dispendiosos.
O comum dos cidadãos não beneficiaria de idêntico tratamento.
Quando alguém provoca a morte de outra pessoa, o valor que se atribui ao decesso pode ser objecto de apreciação pelo tribunal.
Numa perspectiva de punição, é mais grave matar o pai ou o filho do que pôr termo à vida de um vizinho. O parricídio ou o infanticídio podem valer 25 anos na cadeia.
No que respeita à indemnização devida aos familiares, tudo depende do papel que o falecido desempenhava no seu agregado familiar. Um jovem trabalhador, que deixa viúva e filhos menores, exige uma protecção elevada.
Desde há alguns anos que se considera que o sofrimento da vítima influencia o valor da indemnização.
O facto de a pessoa calcular que iria morrer implica uma enorme angústia. As dores físicas podem conduzir a um tormento muito significativo.
Acabam de ser presos um homem e duas mulheres, que se dedicavam a um crime impressionante. Uma das vítimas é amiga de minha mãe.
As duas mulheres abordavam uma senhora idosa na estação de correios. Metiam conversa com ela e ganhavam a sua confiança. Convidavam-na para tomar chá numa pastelaria. Aí misturavam um fármaco na bebida, que colocava a lesada em letargia. Depois, apropriavam-se da mala de mão da senhora.
Muitas das vítimas ficaram seriamente doentes, devido à droga ingerida. Uma delas veio a morrer.
A questão que aqui se coloca é a do crime preterintencional.
A morte vai para além do objectivo do criminoso. Elas só queriam drogar a pessoa, mas acabaram por causar-lhe a morte.
No dia do julgamento, trata-se de uma matéria delicada.
O juiz tem de saber o que ia na cabeça dos criminosos. Chegaram alguma vez a admitir a hipótese de uma pessoa falecer? E se consideraram essa possibilidade, aceitaram-na e não se importaram? Ou, pelo contrário, tinham a convicção de que ninguém iria morrer?
A resposta a estas questões permite saber se houve um homicídio doloso, um homicídio negligente ou um crime agravado pelo resultado.
Obviamente, tal implica uma enorme diferença na pena.
Em matéria de alimentos, uma série de problemas se colocam.
O gerente de um supermercado ou de um restaurante pode ir parar à cadeia se colocar à venda produtos sem condições. São os alimentos avariados. Mesmo que ninguém os consuma. Ou se os consumir, mas não acontecer nada de mal. Há processo-crime à mesma.
A mim já me sucedeu a minha empregada doméstica servir-me uma sandes guarnecida com fiambre, que estava há semanas no frigorífico. Caiu-me tão mal que fui ao hospital e estive uma manhã sem trabalhar.
Mas, nesse caso, não existe punição, porque era um alimento que se destinava a uso familiar.
Em casa, só há crime se existir envenenamento.
Assunto muito complexo é o da comida servida por instituições de caridade. Também nesse caso, não se verifica infracção.