domingo

CORREIO DA TARDE




Encontrava-me eu numa típica tabacaria de Azeitão. Já passava do meio-dia.
A simpática empregada terminara de fazer a conta dos jornais e revistas que eu comprara. Enquanto preparava o troco, deu atenção a um outro cliente:
- Senhor Santos, é o Correio da Manhã?
A pergunta era mais destinada a demonstrar que ela, efectivamente, é solícita. O meu vizinho compra este jornal todos os dias.
O Senhor Santos não perdeu a oportunidade de revelar boa disposição:
- Pois. Vou levar o Correio da Manhã. Ainda não existe o Correio da Tarde.
Não há, mas já houve.
O jornal Correio da Tarde foi publicado até ao início do século XX.
A sua existência é recordada num interessante livro da autoria de Eduardo Nobre: Duelos e Atentados.
A apresentação gráfica desta obra é muito curiosa.
Faz lembrar aqueles livros belgas, escritos simultaneamente em francês e flamengo. Como não se quer consagrar primazia a nenhuma das línguas, as duas versões são colocadas em pé de igualdade. Não existe contracapa. Há duas capas. Para se aceder à outra versão, vira-se o livro ao contrário, fazendo-o erguer desde a sua base.
Neste caso, toda a obra é em português. Mas, de um lado, constam casos de duelos. Dou outro, relatam-se atentados. São situações verídicas.
Um destes casos foi precisamente relatado pelo Correio da Tarde.
Respeitava a um duelo ocorrido em 1901, na Ameixoeira. Os contendores eram João Franco e Pinto dos Santos.
As respectivas famílias nutriam inimizade recíproca.
Uns tempos antes, tinha rebentado uma bomba de dinamite na casa dos Francos. Estes acusavam a família rival. Mas tal não ficou provado em tribunal. Pelo contrário, até se demonstrou que as alegadas vítimas tinham retirado as peças mais valiosas de mobiliário antes da explosão.
Dez anos depois, o irmão de João Franco voltava à carga. Escreveu uma carta a um jornal, dizendo que o melhor florão de Pinto dos Santos era a bomba.
O duelo saldou-se pela derrota de Pinto dos Santos. Foi atingido na mão, pela espada do oponente. Sofreu um profundo golpe num tendão, que o impediu de continuar a disputa.
Anos depois, em Lisboa, teve lugar um outro duelo, que encheu as páginas dos jornais.
Em 1924, o Ministro da Guerra nomeou para comandante da aeronáutica militar um oficial que não era piloto aviador: o coronel Morais Sarmento. Isso gerou mal estar entre alguns militares.
O major Duarte, do aérodromo da Amadora, e dezasseis seguidores permaneceram sitiados naquelas instalações, em sinal de protesto.
Mobilizaram-se meios muito significativos e os revoltosos foram presos.
O Primeiro Ministro, Álvaro de Castro, era, também ele, militar. Resolveu minimizar o incidente, dizendo:
- Se fosse eu, ia prender os aviadores com vinte alunos do Colégio Militar e dos mais pequeninos.
O político foi desafiado para um duelo pelo capitão Fonseca, que se sentira muito ofendido com aquelas palavras.
A lide foi perdida para o capitão, atingido no braço direito.