sábado

DOIS CAFÉS




“Helder, podemos encontrarmo-nos para tomar um café?”.
Era a minha amiga Helen, ao telefone. Marcámos o encontro. Eu não fazia a mínima ideia da finalidade, mas apercebi-me que não era para pôr a conversa em dia.
Ela é alemã e era casada com o meu grande amigo Fabrizio, italiano. Na realidade, a minha amizade começara por o conhecer a ele e depois é que se estendeu à sua mulher. Sempre tive muito mais proximidade com o Fabrizio.
Ainda na casa dos trinta, os dois tinham um estatuto económico invejável. Habitavam numa casa magnífica. Tinham enriquecido graças ao comércio de caxemira, a luxuosa lã tão apreciada pelos costureiros mais famosos.
O filho deles nascera sete meses antes. A Helen sofreu uma certa depressão pós-parto, mas tudo parecia superado.

Cumprimentámo-nos com um beijinho, hábito adoptado pela Helen sem dificuldade.
Sem mostrar grandes emoções, ela revelou-se totalmente germânica.
Disse-me o que tinha estado a fazer durante a manhã.
Decidira separar-se do marido, de surpresa. Mandara vir uns indivíduos de uma empresa de mudanças. Colocaram quase todo o recheio da casa num contentor de quarenta pés, com destino à Alemanha.
Ela e o filho passariam aquela noite num hotel. No dia seguinte, partiriam para a terra natal dela. Só depois o Fabrizio viria a saber de tudo.
A Helen fez questão de deixar em casa a aparelhagem sonora Bang & Olufsen, que custara o mesmo que um Suzuki Vitara. Tinha sido oferta do marido, que nunca se esquecia de lembrar aquela equiparação de preços. Procurava demonstrar o quanto amava a mulher. Realmente, ele tinha também um pouco de frieza germânica.
Esta é a pior maneira de terminar um casamento: escrever uma “Dear John letter”. Despedir-se do marido sem combinar nada e deixá-lo sozinho em casa.
E eu sabia bem de uma coisa.
Se um progenitor germânico leva um filho para a Alemanha, é quase certo que os tribunais locais nunca autorizarão que a criança seja levada para fora do país.
Portanto, a Helen estava a levar o bebé para bem longe, sabendo que o pai já não teria hipóteses de ficar com ele.
Mas o que podia fazer eu?
É evidente que a minha ligação era mais forte com o Fabrizio do que com ela. Mas a Helen confiara em mim. Ela não conhecia quase ninguém em Portugal. Era a forma de se despedir.
Não fiz grande esforço em convencê-la a conversar com o marido, porque sabia que ela já estava determinada.
Evidentemente, não poderia ir contar nada ao meu amigo, embora reconhecesse que aquela não era a melhor forma de resolver a separação.
Eles os dois já andavam desentendidos desde o nascimento da criança. Ela sentira pouco apoio do marido naquela fase crítica.
Ele considerava-se um indivíduo correctíssimo, a quem não se podia apontar nada. Fazia questão de dizer que era muito trabalhador, bem sucedido, não fumava, não jogava e não tinha amantes.
Faltava talvez o principal.
Despedi-me da Helen.
No dia seguinte, tinha um outro convite para tomar café. Desta feita, do Fabrizio.