sábado
O CORTE DAS ÁRVORES
Já desde o século passado, que não temos uma amnistia.
Da última vez, foi por ocasião das bodas de prata do 25 de Abril.
Francamente, custa-me a compreender um excessivo recurso a estas medidas clemenciais.
Não sou do género daqueles que dizem:
- Temos nós tanto trabalho a pôr estes criminosos na cadeia, para depois os colocarem na rua.
Respeito as regras.
Os polícias procedem à detenção.
Os juízes decidem se a pessoa deve ou não ficar presa.
A Assembleia da República pode amnistiar uma série de pessoas.
O Presidente concede os indultos que entender.
Contudo, na normalidade, o perdão deve ser concedido por razões bem transparentes.
No final dos anos oitenta e no decorrer da década de noventa, sucederam-se várias amnistias aprovadas pelo Parlamento.
A mais polémica não teve, com toda a certeza, que ver com a sobrelotação da cadeias. Visava um grupo que aterrorizou o país.
Quanto às outras, coincidiram realmente com a verificação de que muitos estabelecimentos prisionais albergavam mais detidos do que a sua capacidade. As condições de vida eram complicadas, nalguns casos.
Ora quando se colocam em liberdade indivíduos condenados a penas de prisão, uma coisa é forçosa. Têm de se amnistiar também aqueles que praticaram crimes menores.
Assim, foram milhares as pessoas beneficiadas pelas sucessivas leis deste tipo.
Um caso exemplar ocorreu em Vila Franca de Xira.
Mesmo junto a um conhecido restaurante e a uma instituição bancária, havia duas árvores, mal conservadas.
“Caducas”, segundo o arguido explicou ao juiz.
Por isso, ele decidiu mandar abatê-las.
É que, francamente, - dizia ele – tornava o local mais aprazível. Com evidente vantagem para todos. Incluindo os ocupantes daqueles dois imóveis.
O único senão é que as árvores não lhe pertenciam a ele. Encontravam-se na via pública.
Portanto, ele mandou destruir um bem alheio.
A sentença foi branda. Uma pena suspensa, com a condição de o arguido pagar quinhentos contos aos Bombeiros.
Isto passou-se há cerca de quinze anos atrás.
Sucede que ele decidiu interpor recurso da sentença.
Enquanto o pai ia e vinha, surgiu a amnistia de Maio de 1994.
E assim ficou tudo arquivado, graças àquela lei.
Por altura do derrube dessas árvores, houve um verdadeiro drama.
Um camião dos Correios circulava entre Santarém e Cartaxo.
A estrada era pouco larga.
Em sentido oposto, vinha uma motorizada, cujo condutor regressava a casa, vindo do trabalho.
Levou com o pesado, que abalroou o motociclo. Este circulava na sua fila de trânsito.
A vítima ficou em mau estado.
O motorista que provocou o acidente foi constituído arguido.
Passados uns tempos, ainda o julgamento não estava marcado, lá surgiu a tal amnistia.
É claro que permanecia o pedido de indemnização. O motociclista chegou a acordo e recebeu seis mil contos.
Porém, mantinha-se um problema.
O homem regressava a casa, vindo do serviço.
Será que ele teria direito a mais alguma indemnização, por se tratar de acidente de trabalho?
Foi assim que surgiu um novo processo.
Desta feita, no Tribunal do Trabalho.
As partes em conflito eram duas companhias de seguros.
Uma era a seguradora do trabalhador e da sua empresa. A outra era a dos Correios, a quem pertencia o camião.