Eu sou um fã incondicional dos Gato Fedorento. É excepcional aquele humor inteligente, com a caricaturização de situações bem conhecidas e, por vezes, dotado de um desconcertante non sense.
Há um sketch em que duas personagens discutem os seus pontos de vista, colocando-se em pólos completamente contrários.
A coisa vai-se prolongando mais ou menos assim:
- Estou-lhe a dizer.
- Não pode ser, não pode ser…
- Mas eu estou-lhe a dizer!
- Não pode ser.
- Estou-lhe a dizer.
- Não, não pode ser!
Como se vê, são apresentadas convincentes razões. Quer um quer outro têm um poder de argumentação fantástico.
A VINHA
Certa vez, num julgamento, confrontei-me com um caso bem semelhante.
Um homem tinha perdido toda a sua vinha por culpa do vizinho.
A questão é que as videiras contavam vinte e cinco anos de idade.
O advogado do culpado dizia que elas já pouco valiam. Ao cabo de um quarto de século, a vinha encontra-se em total decadência. Dá pouco e rapidamente vai ter de ser substituída.
É claro que o outro causídico perfilhava a posição oposta. Com vinte e cinco anos, a cepa está no seu auge. Depois de passar por um período de desenvolvimento, começa a dar o seu melhor.
O problema é que pouco mais diziam do que isso, acrescentando negações polidamente introduzidas:
- Não é assim, Sr. Dr.
- Ai é, é, Sr. Dr. Garanto-lhe. O Sr. Dr. está enganado.
Passados uns anos, encontrava-me eu a jantar com um casal amigo.
Comentei o caso.
Ela é engenheira agrónoma. Ele é meu colega: juiz.
Obviamente, a questão era mais da área da senhora.
Mas, afinal de contas, tratava-se de um julgamento. Ele também teve uma palavra a dizer.
Agora conhecem os leitores aquele género de situações em que nós preferíamos não estar lá para assistir aquilo? É tão embaraçoso.
Às vezes, sucede-me isso.
A TELHA
Numa ocasião, dois amigos meus – também casados – ainda nem tinham começado a construir a sua casinha. O arquitecto encontrava-se a projectá-la.
Pois eles, à minha frente, de cabeça erguida, a olharem para o telhado da minha casa, envolveram-se numa discussão que nem queiram saber.
O problema era a definição de telha portuguesa.
E há tempos, o Professor José Hermano Saraiva tinha falado no assunto.
Para ela, o formato da telha é que determinava se ela era tipicamente portuguesa ou não.
Para ele, a questão era a cor do telhado.
Gerou-se um aceso debate entre os dois.
Bom, isto foi quando ainda só existia o terreno.
Agora imagine-se quando a moradia começou a ser construída. Cada pormenor significava uma disputa.
Pior foi ainda quando venderam a anterior habitação e tiveram de ir morar, com os filhos, para a casa dos pais dele, enquanto a vivenda se encontrava a ser edificada.
É claro. O casamento foi demolido antes de a casa estar de pé.
Voltando à vinha e ao jantar com os meus amigos.
Quem me dera não estar ali a ouvi-los, a discutirem a temática das videiras.
A agrónoma deu o seu parecer.
Mas foi logo contrariada pelo marido.
É que o avô dele produziu vinho durante muito tempo. E ele sabia o que estava a dizer.
A confrontação nunca mais terminava.
Eu só pensava:
- Do que eu fui falar…