quinta-feira
ABRA-SE A PORTA DA PRISÃO
A cena passou-se há uns anos, no Terreiro do Paço.
Mais exactamente no salão nobre do Supremo Tribunal de Justiça.
Tratava-se de uma cerimónia solene, na qual se dignava participar o Presidente da República.
Bem disposto, o Chefe de Estado olhou para um prestigiado juiz conselheiro, que se encontrava sentado na primeira fila da assistência, toda ela muito composta. Era um conceituado magistrado, que viria a jubilar-se pouco tempo depois, por atingir o limite de idade.
Fez então uma alusão às longas sentenças elaboradas por aquele jurista.
Provavelmente, o visado não terá achado muita graça.
UMA PERGUNTA
De seguida, tomou a palavra Jorge Miranda, professor de Direito de reconhecido mérito.
Foi aberto um espaço para debate.
O primeiro a intervir foi o tal juiz conselheiro.
Ainda devia estar a pensar naquela menção às suas intermináveis sentenças, que levavam horas a ler.
Colocou, então, uma questão ao docente.
Perguntou como se processavam os julgamentos, em tribunal, dos Chefes de Estado.
É uma questão legítima e complexa. Neste exacto momento, põe-se em relação a Saddam Hussein.
Mas, ali, levantada em frente ao Presidente português, causou algum embaraço, uns sorrisos amarelos e algumas expressões de desagrado.
No entanto, o professor não deixou de responder à pergunta.
PODER
Como já aqui aludi uma vez, os Chefes de Estado dispõem de um poder muito importante. A qualquer momento, podem mandar abrir as portas da cadeia, para libertar um preso.
Concedem um indulto.
É uma graça ou medida clemencial, com um peso extraordinário.
A avaliação é baseada nos critérios que o Presidente muito bem entender. Não há padrões pré-definidos.
O juiz deve obediência à lei e apenas pode fazer o que ela determina, de acordo com as suas apertadas regras.
Não pode emitir mandados de detenção ou de libertação, conforme muito bem lhe apetecer.
Já o Chefe de Estado age segundo o seu prudente alvedrio. Não há quaisquer limites quanto a esse seu poder.
Por isso mesmo, o indulto tem características únicas.
Em todo o país, apenas uma pessoa dispõe de tal capacidade. É o mais alto magistrado da nação.
A sujeição a críticas surge num grau superior, dado que não há normas estabelecidas previamente.
Verifica-se alguma parcimónia na utilização deste poder, pois o excesso seria mal encarado.
Nos Estados Unidos da América, muitas vezes, a concessão de indultos relaciona-se com jogos de poder económico e político. Por esse motivo, surgem sempre censuras de alguns sectores da sociedade.
Felizmente, em Portugal, tal não sucede.
Apenas um caso levantou alguma celeuma.
Foi concedido o perdão a um indivíduo que se encontrava em fuga. Era impossível libertar alguém que já se encontrava ao fresco. Por erro dos serviços, tal informação não foi fornecida atempadamente.
No final de um mandato presidencial e sobretudo por altura do Natal, é comum haver um maior número de perdões.
Em meu entender, idealmente o indulto não deve gerar um elevado grau de insatisfação junto da sociedade.
Evidentemente, não se pode agradar a todos.
Os familiares do preso ficarão todos satisfeitos, ao saberem que vão contar de novo com a sua presença.
O mesmo sentimento não terão as vítimas do crime, os membros da família e os amigos.
As coisas são mesmo assim e devem ser aceites deste modo.
Não se pode exigir que sejam perdoados só criminosos que não fizeram vítimas directas: traficantes de droga, burlões do fisco ou condutores embriagados, por exemplo.
TIRO
Mas imagine-se esta situação.
Um rapaz de doze anos é assaltado por um grupo de três malvados jovens cruéis, todos com dezoito anos de idade. A criança é maltratada e fica com pavor de sair à rua sozinho.
O pai do rapaz está completamente transtornado.
Um dia, encontra um dos assaltantes.
Pega numa pistola. Dá um tiro e mata-o.
Assim perde a vida um jovem. O futuro dele podia não ser promissor. Logo muito novo, já se tinha iniciado na vida do crime.
Mas que direito tinha aquele homem de lhe tirar a vida?
Imagine-se a dor dos pais do falecido.
Evidentemente, o assassino recolhe à cadeia.
Agora quem sofre de um enorme sentimento de culpa é o filho dele, que foi assaltado.
Justificar-se-ia um perdão num caso destes?