domingo
PAGAR PELO MORTO
No tribunal, os processos dividem-se em dois grupos: cíveis ou criminais.
Nalgumas comarcas de maior dimensão, até há juízes especializados só numa destas modalidades.
Os casos cíveis dizem respeito a litígios entre particulares. Por exemplo, o pagamento de uma dívida, o despejo de uma casa arrendada ou um problema na oficina onde se mandou reparar o automóvel. O juiz decide, dizendo qual dos dois tem razão.
Os processos criminais são os mais graves. É o Estado que processa um indivíduo por ele ter violado uma lei essencial da vida em sociedade: roubou, matou, cometeu uma fraude, agrediu uma pessoa ou praticou um crime sexual, por hipótese. Nesse caso, o juiz condena-o a uma pena: multa ou prisão.
Quando o Réu morre antes o processo terminar, o regime aplicável é diferente consoante o caso seja criminal ou cível.
Tratando-se de uma situação criminal ou penal, o processo é encerrado. Extingue-se com a morte do arguido.
PRESTAÇÕES
No que concerne aos processos cíveis, nalguns casos, os herdeiros podem ser responsabilizados.
Em princípio, as dívidas não se transmitem aos sucessores.
Tenho um amigo cuja sogra faleceu antes de atingir os sessenta anos de idade. A sua vida tinha sido complicada, passou por vários divórcios e separações, afastou-se durante muito tempo da sua filha única e nunca foi fazendo poupanças ou adquirindo bens.
O pior foi quando lhe diagnosticaram cancro.
Numa reacção que é relativamente vulgar, entrou num enorme descontrolo e passou a viver os seus dias com a consciência do pouco tempo de vida que lhe restava.
Desatou a fazer comprar, adquirindo tudo o que via à frente, lhe propunham à porta, era anunciado na televisão ou propagandeado nas revistas. A casa encheu-se de trens de cozinha, aparelhos de ginástica, acessórios para a cozinha, os mais inúteis utensílios que supostamente facilitam a vida quotidiana, um cartão de férias, dispositivos para animais domésticos e algumas peças de vestuário.
Ela não era uma senhora de posses. Recorreu sempre ao crédito, ficando de pagar em dezenas de meses.
Como infelizmente era de esperar, morreu em pouco tempo.
As prestações ficaram por satisfazer, quase na íntegra.
Ora os sucessores apenas são responsáveis pelas dívidas, na medida em que, efectivamente, recebam alguma herança. Mesmo assim, somente são obrigados pagar um montante que, no máximo, atinja o valor total dos bens que lhes foram atribuídos. Evidentemente, não poderiam ser prejudicados por terem decidido receber uma herança.
Com perfeito conhecimento disto, as entidades financiadoras não deixaram de incomodar constantemente este meu amigo, cuja sogra morreu, deixando para trás algumas dívidas.
SEGUROS
Numa primeira abordagem, pretendiam que o meu amigo pagasse as quantias.
Como viram que ele não estava disposto a tal, passaram ao plano B.
Havia seguros associados à concessão de crédito. Em caso de morte, a dívida seria suportada pela companhia de seguros e já não pela própria instituição de crédito. Portanto, passaram a pedir-lhe vários documentos, entre os quais a certidão de óbito e alguns relatórios médicos.
Obviamente, ele não tinha de zelar pelos interesses da entidade financiadora. Por uma questão de boa vontade, poderia fornecer a informação relativa à data e ao local do falecimento. Contudo, não lhe competia a ele andar a obter os tais documentos.
Além disso, ele nunca seria herdeiro da senhora. A única herdeira, se houvesse bens, seria a mulher dele. Mas na ausência de herança, ninguém poderia ser responsabilizado.
Deixo uma nota final. Ao recusar a herança, naturalmente, a filha da falecida não deve apoderar-se daqueles bens inúteis comprados a prestações.