quarta-feira
FUI VÍTIMA DE UM CRIME
Recordo-me de, certa vez, me encontrar a assistir a uma interessantíssima palestra sobre corrupção. Era proferida por um ilustríssimo Juiz Desembargador, que soube com mestria cativar toda a audiência, falando sobre o tema com enorme propriedade e saber.
Aberto o período de debate, um dos assistentes levantou-se e colocou a primeira questão:
- Senhor Desembargador, o que sente um Juiz quando julga uma pessoa acusada de corrupção? É um julgamento diferente dos outros?
O orador manteve toda a sinceridade que tinha caracterizado a sua prosa. Disse que, ao longo da sua carreira, nunca tinha procedido a um único julgamento de um caso de corrupção. No entanto, conhecia a matéria em profundidade, devido ao estudo que fizera sobre a respectiva legislação.
Actualmente, já deve ser pouco provável um juiz não ter apanhado, algumas vezes, casos de corrupção. Tal significa, acima de tudo, que essas situações são realmente investigadas, os suspeitos são acusados e levados a julgamento.
Naturalmente, continua a haver alguns crimes que raramente são objecto de julgamento em tribunais.
Umas vezes, porque os autores não são apanhados. E felizmente, em muitos outros casos, dado que felizmente não são cometidos.
Nunca procedi a um julgamento de insolvência dolosa. Mas imagino que haverá muitas pessoas que provocam a sua própria falência, para deixarem os credores a ver navios.
Mas também nunca julguei um arguido acusado de incitamento à guerra civil ou coacção de eleitor. Com certeza, porque tal não tem sucedido, felizmente.
Entre crimes mais frequentes, outros que não têm sido cometidos e uns que poucas vezes são denunciados, também há os que surgem umas quantas vezes, mas não amiúde.
Entre essas infracções menos habituais, conta-se a simulação de crime.
Ao que parece, há dias, em Tomar, uma senhora entrou numa esquadra policial. Disse que um assaltante lhe tinha retirado uma quantia considerável em dinheiro.
Ela mantinha uma relação amorosa com um indivíduo, que lhe confiou esse montante. Para ficar com a maquia, a senhora simulou ter sido vítima de um roubo.
Em muitas situações, os acusados de simulação de crime visam eximir-se à sua responsabilidade.
É usual alguém queixar-se de que o seu automóvel foi furtado. Se isso acontece logo antes de ter ocorrido um acidente envolvendo essa viatura, é de suspeitar. Sobretudo se o veículo não dispuser de seguro. Ou o seu proprietário não for titular de carta de condução.
Nalguns casos, o cúmplice de um crime, finge ter sido vítima. Numa ocasião, um vigilante foi encontrado amordaçado numa casa de banho, queixando-se de ter sido dominado pelos assaltantes. Afinal, ele era amigo dos criminosos e aquilo não passava de encenação.
Por vezes, a simulação destina-se a burlar uma companhia de seguros.
Inventa-se um assalto, para receber uma indemnização. Um polícia dizia-se coleccionador de valiosos quadros. Mas costumava ter um azar tremendo e a sua casa era visitado por amigos do alheio que lhe levavam as obras de arte. Felizmente, havia cobertura pelo seguro…
O mais complicado é quando a simulação esconde um desejo de vingança ou de provocar um mal a alguém.
Nesta matéria, o julgamento mais bicudo com que confrontei envolvia uma acusação de rapto e violação.
Um homem estava preso preventivamente, devido ao facto de a sua antiga namorada se ter queixado de ele a ter levado, à força, para um local ermo, onde manteve relações sexuais contra a vontade da vítima.
Decorridos uns meses, ela esclareceu tudo. Era tudo invenção dela. Pretendia apenas vingar-se do antigo namorado, que a havia deixado a ela.
A senhora foi, então, acusada de simulação de crime.
Mas declarou-se inocente.
Na verdade, tinha sido raptada e violada. Contudo, depois de o criminoso se encontrar na cadeia, foi ameaçada de morte. Por isso, teve de afirmar que era tudo produto da imaginação dela.
O julgamento durou alguns dias.
Era difícil eu condená-la. Qual das versões corresponderia à verdade?