sábado

MUITA SORTE



Contei à minha mãe que tinha discutido com o meu marido e que ele me tinha dado mais um estalo. Ela apressou-se a dizer que eu tinha muita sorte. Se ela levantasse a voz ao meu pai, ficava logo de cama com as tareias que ele lhe dava”.
Este impressionante depoimento encontra-se num dos melhores livros sobre violência doméstica. Trata-se da obra “Sem Medo Maria”, da autoria de Fernanda Freitas. É prefaciada por Marcelo Rebelo de Sousa.
Há dias, a jornalista efectuou uma brilhante apresentação sobre o tema. A mesma ocorreu na audição pública sobre uma importante e louvável iniciativa governamental: o anteprojecto de lei relativa à prevenção da violência doméstica e protecção das suas vítimas.
Participei também deste encontro, no qual se escutaram igualmente as autorizadas vozes de Elza Pais, Céu Cunha Rego, Augusta de Sousa, Jorge Costa, João Lázaro, Caetano Duarte, Manuel Lisboa e Paulo Corte-Real, em pertinentes discursos.
A reunião foi particularmente útil, ao permitir a correcção de algumas irregularidades jurídicas graves, como a errada alusão a queixa-crime.
Estou convencido de que a lei - a ser aprovada - facultará significativos progressos no combate ao flagelo das agressões no seio familiar.
Todavia, importa fomentar também a alteração de mentalidades, como a daquela mãe excessivamente tolerante, já referida.
Os parentes e afins devem demarcar-se do comportamento do agressor, não se conformando com as suas atitudes.
Conheço um outro caso, com algumas semelhanças.
Por altura do Natal, um casal pôs-se a caminho da terra, a fim de participar da consoada familiar.
Durante o trajecto, ocorreu uma zanga entre os dois. O marido atingiu a mulher, com um brutal soco.
À chegada, ela apresentava já um olho negro.
Desabafou com a cunhada, irmã do feroz homem. Manifestou vergonha em apresentar-se ao jantar, daquela maneira.
Na outra senhora, a vítima encontrou um estranho conforto:
- Eu trato disso. Vou-te disfarçar a nódoa negra, com maquilhagem. Sei o que isso é. O meu marido também já me bateu várias vezes e eu consigo sempre dissimular as marcas na cara.