segunda-feira
SALVE-SE QUEM PUDER
No dia 15 de Março de 1974, o marido dela tomou posse como Secretário de Estado.
Isso mesmo. Em 1974. Mais precisamente no mês anterior ao da revolução dos cravos. O timing não podia ser pior.
A 25 de Abril, foi derrubado o governo de Marcello Caetano.
Um ano depois, o jovem casal seguiu para o Brasil.
Ele afirmou-se como prestigiado professor universitário e advogado de sucesso. Ela tornou-se numa conceituada jornalista e escritora.
Leonor Xavier acaba de lançar a sua autobiografia: "Casas Contadas". A obra encontra-se dividida em 13 capítulos. Cada um deles tem como ponto de referência as várias habitações por onde a autora passou, com termo na sua actual quinta ribatejana.
Neste interessantíssimo livro, a escritora relata um curioso episódio. Certa vez, em São Paulo, ofereceu um jantar ao conhecido pianista Sérgio Varela Cid e à sua terceira mulher, Ana.
O músico tinha nascido em Lisboa, filho de pai português e mãe brasileira.
Quando viveu em Londres, ele acolheu Matilde Xavier, que ali fora trabalhar como secretária. A senhora era tia do tal Secretário de Estado, empossado nas vésperas da revolução.
Já domiciliado no Brasil, o pianista foi convidado para jantar, pelo casal Xavier.
Leonor Xavier conta o que se passou no final do repasto: “saímos para a rua, para admirar o carro que o Sérgio tinha levado, um Mercedes branco, estacionado à nossa porta”.
MORTE PRESUMIDA
Tendo actuado nas mais afamadas salas de espectáculo de todo o mundo, agraciado com respeitados prémios internacionais, Sérgio Varela Cid era um executante ao nível de Sequeira Costa.
Todavia, quis enriquecer por meios que em nada se relacionavam com o seu talento musical.
Em 1981, desapareceu. Nunca mais se conheceu o paradeiro de Sérgio Varella-Cid, como ele gostava de assinar.
Afirma Leonor Xavier que muitos defendiam “a tese de que, sendo tão mau carácter, em algum lugar definitivamente invisível e incerto estaria, com cara e identidade mudadas”. Mas também acrescenta que um pianista brasileiro qualificara o desaparecido “como um dos mais talentosos músicos, entre todos os que tinha conhecido”.
Em 1995, um juiz lisboeta decretou a morte presumida de Sérgio Varela Cid, por não haver notícias dele, há mais de cinco anos.
Algo semelhante ao que eu fiz diversas vezes, quando trabalhei em Sesimbra. Eram frequentes os naufrágios de embarcações pesqueiras, sem que alguns dos corpos fossem resgatados.
LUDOPATA
O que teria sucedido com Sérgio Varela Cid?
Ao mudar-se para o Brasil, ele não abandonou o vício do jogo. Perdia consideráveis quantias, nos casinos.
O músico travou amizade com Osmane Ramos, hábil cirurgião plástico, que era colaborador de Ivo Pitanguy. Também o médico preferia utilizar um nome modificado: assinava Hosmany Ramos.
Os dois tornaram-se naquilo que se costuma ver em filmes: partners in crime.
Recebiam veículos de luxo, roubados na Alemanha. Depois, transaccionavam os automóveis, já com matrículas brasileiras.
Joel Costa, no seu livro “Balada para Sérgio Varella Cid”, alude ao monte de viaturas acumuladas na casa do pianista.
A mulher, Ana, queixava-se:
- Temos o jardim atafulhado de carros!
Cid contratou um guarda-costas, que o acompanhava permanentemente. Tratava-se de António Diniz, que tinha sido agente da PIDE.
Posteriormente, Sérgio e Osmane iniciaram-se no tráfico de droga.
Certa vez, a esposa de Sérgio Varela Cid foi presa em Boston, nos Estados Unidos da América. A detenção ocorreu quando ela tentava descontar dois cheques, que lhe tinham sido entregues por Osmane Ramos.
A senhora só foi libertada após o brasileiro se deslocar aos Estados Unidos, depondo em tribunal, a favor dela.
Osmane Ramos ia eliminando comparsas, à medida que a sua colaboração se tornava dispensável. Assassinou Joel Avon, piloto do seu avião particular, onde os estupefacientes eram transportados. Matou também Firmiano Angel, conhecido cadastrado.
Numa ocasião, o piloto Lobinho – Carlos Alves Lobo –, tentou vender uma aeronave a Osmane. Após o encontro entre os dois, Lobinho desvaneceu-se e foi dado como definitivamente desaparecido.
É natural que recaiam também sobre Osmane Ramos as suspeitas sobre a morte, mais do que certa, de Sérgio Varela Cid. O clínico criminoso nega o homicídio. Mas a verdade é que ele terá sido dos últimos a encontrar-se com o pianista.
O músico sofria de um mal congénito. A sua pálpebra direita caía sobre o olho, cobrindo-o mais do que o normal. Sem êxito, ele já tentara corrigir a ptose, mediante intervenção cirúrgica.
Por diversas vezes, Osmane propôs efectuar-lhe nova cirurgia, visando rectificar a deficiência anatómica e eliminar algumas rugas. Tal concederia ao pianista um rejuvenescimento, bem apropriado à idade de sua mulher, dezanove anos mais nova.
Há quem especule que o teatro da sala de operações seria o ideal para colocar termo à vida de Sérgio Varela Cid.