Por vezes, são curiosas as explicações apresentadas para esclarecer por que motivos uma pessoa decide enveredar pela marginalidade.
Certa vez, um arguido, de 41 anos de idade, forneceu-me a seguinte justificação. Ele explorava uma pequena mercearia. Junto ao seu estabelecimento, abriu um supermercado da cadeia LIDL. Os lucros do pequeno comerciante foram diminuindo. Resolveu fechar a loja e acabou por divorciar-se.Viu-se sem casa. Passou a pernoitar no seu velho carro, que já nem circulava.
A dada altura, o homem adquiriu uma pistola, no mercado negro.
Entrou no tal supermercado, que se instalara perto da sua antiga mercearia. Exibindo a arma, exigiu a entrega de todo o dinheiro em caixa.
No mesmo dia, foi capturado pela polícia. Culpava o LIDL pela sua desgraça e pela inevitabilidade de cometer um crime.
Numa outra ocasião, condenei um jovem a uma pena de prisão relativamente longa.
Posteriormente, recebi uma carta de uma tia dele, que assistira a todo o julgamento. De acordo com a senhora, o sobrinho tornara-se delinquente em virtude de ter nascido no dia 25 de Abril de 1975.
Era feriado. Celebrava-se o aniversário da revolução. Realizavam-se as primeiras eleições livres.
A irmã da autora da missiva estava prestes a dar à luz. Segundo se contava na epístola, o clima que se vivia no país fez com que não houvesse nenhum médico disponível no hospital. O parto complicou-se e, consequentemente, a criança sempre apresentara alguns problemas desde o nascimento.
Mais tarde, o moço resolveu praticar delitos, no seguimento de um percurso de vida difícil, desde que veio ao mundo.
CERVEJA MORNA
Permitam-me agora regressar ao livrito escrito pelo assassino Militão: “Morrer na Praia do Futuro”.
Também ele descreve o modo como, na sua mente, surgiu a vontade de ser criminoso.
Tudo começou com o fracasso do seu bar de praia, denominado “Vela Latina”. O insucesso económico levou-o a planear delitos.
Como já relatei, Militão dedicou-se à receptação de material roubado e à falsificação de notas. Depois, ainda planeou o rapto e o homicídio de um francês. Mas acabou optando pela bárbara matança de compatriotas, que foram ao seu encontro, em viagem turística.
Luís Militão esclarece como o seu estabelecimento resultou num flop, recorrendo ao termo por ele utilizado. E, assim, dá-se a “entrada no mundo do crime”, nas suas próprias palavras.
Conta ele: “no dia da inauguração, vi que as cervejas estavam a ficar congeladas e que havia o risco das garrafas rebentarem. Resolvi então desligar as arcas frigoríficas durante algum tempo, mas esqueci-me de voltar a ligá-las. À noite, já era demasiado tarde. Ainda liguei as arcas, mas entretanto os clientes estavam a começar a chegar”.
Foi assim que o Militão se perdeu.
É desta forma que ele expõe o desfecho: “correu tudo muito bem, exceptuando as reclamações por causa da cerveja morna. Prometi que na semana seguinte a cerveja estaria bastante gelada. Chegou o dia aguardado. Não chegaram a vinte pessoas que apareceram e, de repente, tudo começou a correr mal”.
A partir daí, no bar, “o ambiente estava cada vez mais tenso” e verifica-se a já mencionada “entrada no mundo do crime”.
Está tudo elucidado. Em última análise, a cerveja morna levou-o a cometer aquela gigantesca atrocidade.