Contrapõem-se às testemunhas oculares ou presenciais, que assistiram a determinados eventos. Essas vão relatar ao juiz o que aconteceu.
As abonatórias pronunciam-se sobre a personalidade, as condições de vida e a conduta habitual do arguido. Geralmente, são amigos, familiares, colegas de trabalho ou outras pessoas que lidam frequentemente com o arguido.
Curiosamente, estas declarações são mais importantes quando o arguido, efectivamente, praticou o crime.
Não vale de muito uma testemunha abonatória vir contar que o seu amigo não é pessoa de se envolver em brigas, que é extremamente honesto, incapaz de roubar seja quem for ou que não está a vê-lo envolvido em tráfico de droga.
Não ajuda ninguém a ser absolvido.
CONDENAÇÃO
Pelo contrário, se o juiz vier a condenar o arguido, pode bem ser valorizado o que essas pessoas disseram em tribunal.
Por exemplo, afinal de contas, trata-se de um indivíduo com mais de 40 anos de idade. Sempre terá tido um comportamento exemplar, é um cidadão responsável perante a família, os vizinhos e a entidade patronal. O arguido teve aquela fraqueza, num dado momento. Contudo, é de crer que voltará a tomar as atitudes correctas que sempre manteve, sendo essa a convicção das testemunhas abonatórias.
Assim, o acusado pode beneficiar de uma sanção mais branda. Ou, então, ser-lhe dado um voto de confiança. Manter-se-á em liberdade, com pena suspensa.
Por vezes, é realmente muito escasso o relevo dado a estes depoimentos. Por isso, até há bem pouco tempo, muitos juízes adoptavam uma prática pouco ortodoxa, que era a de mandar entrar para a sala de audiências todas as testemunhas abonatórias, em conjunto. Permaneciam de pé, lado a lado. Limitavam-se a confirmar, praticamente em uníssono, as excepcionais virtudes do arguido. Felizmente, este uso foi banido. São colhidas as declarações individualmente.
CORTE DE RELAÇÕES
Nas suas memórias, Adriano Moreira relata um interessante caso ocorrido aquando do julgamento de Edite Estrela, em Sintra. A antiga presidente da câmara era acusada de um crime relacionado com a campanha eleitoral.
Para além de notável político, o exímio advogado Adriano Moreira é um distinto Professor, que presidiu ao Instituto de Ciências Sociais e Políticas.
Teve sérias divergências com Marcello Caetano, quando este era primeiro-ministro.
No momento da crise académica, a pasta da Educação era ocupada por José Hermano Saraiva, de quem eu sou Amigo e admirador. Magnífico advogado, destacou-se também enquanto governante, para além de ser um brilhante docente, historiador e divulgador cultural, dono de uma invulgar capacidade de comunicação.
Por razões conhecidas de todos, a verdade é que gerou-se um sério desentendimento entre o Ministro da Educação e Adriano Moreira, enquanto presidente daquela instituição académica.
Os dois cortaram relações no final da década de 60.
OS DOIS NO TRIBUNAL
Acontece que, volvidas três décadas, respondendo em tribunal, Edite Estrela apresentou um extenso rol de testemunhas abonatórias. Nele incluiu os dois professores, que não trocavam palavra há muito.
José Hermano Saraiva e Adriano Moreira cruzaram-se no tribunal.
Conta-se no livro aludido: “O Dr. Hermano Saraiva entrou na sala de espera e cumprimentou pessoalmente cada um dos presentes”.
Aproximou-se de Adriano Moreira e disse-lhe:
- Fale-me, que está a falar-lhe um amigo.
O autor das memórias justifica assim a postura que adoptou: “não transigi: tinha presente a memória dos estudantes”.