Era um homem muito solitário.
Habitava num prédio de quatro andares, sem elevador. Em cada piso, havia dois apartamentos. Ele ocupava uma das casas do primeiro andar.Em 1988, perdera o emprego. Na sequência do incêndio no Chiado, a firma para a qual trabalhava ficou sem instalações e fechou as portas.
O passatempo deste sujeito era peculiar. Dedicava-se ao exibicionismo, mostrando o seu órgão genital.
Ao final da tarde, da janela, observava discretamente a rua. O momento crucial dava-se quando uma das vizinhas se aproximava, regressada do serviço.
O indivíduo mudava-se, então, para junto da porta de entrada do seu apartamento. Evitando o ruído, destrancava a fechadura, deixando apenas uma nesga entreaberta. Ouvia os passos da senhora, iniciando a subida das escadas. Quando ela se encontrava precisamente em frente à sua porta, o homem abria-a, com as calças e as cuecas para baixo.
A cena ia-se repetindo quase diariamente, com várias vizinhas.
Durante o dia, o tarado ocupava-se com outra actividade idêntica.
Nas traseiras, ele dispunha de uma marquise que confrontava com um largo, por onde passavam algumas pessoas.
Munido de um pequeno banco, subia ao mesmo. Fazia correr uma das janelas da marquise e exibia o pénis. Por vezes, manipulava-o.
QUALQUER COISA DE VERDADE
Aquando do julgamento, confrontei-o com a acusação.
Genericamente, ele negou executar práticas exibicionistas. Mas não afastou completamente o que constava do libelo.
Dizia António Aleixo: “para a mentira ser segura e atingir profundidade, deve trazer à mistura qualquer coisa de verdade”.
O arguido confirmou que vivia sozinho, com sérias dificuldades económicas, subsistindo graças ao auxílio de um irmão, emigrante na Alemanha.
Talvez o tivessem já avistado com o órgão sexual à mostra.
Mas tudo não passava de um mal-entendido.
Naturalmente, ele não tinha meios para contratar uma empregada doméstica. De resto, tal nem faria sentido, pois sobrava-lhe tempo.
Assim, quando ele se dedicava às limpezas, envergava uns calções já velhos, com um elástico lasso. Com as duas mãos no aspirador, acontecia, por vezes, o calção escorregar e ficar preso entre as pernas, junto aos chinelos.
Ora para limpar devidamente a entrada, tornava-se necessário abrir a porta e aspirar o pó acumulado no remate junto ao tapete colocado no patamar.
Consequentemente, poderia ter ocorrido alguma infeliz coincidência. Mantendo a porta aberta enquanto uma das senhoras percorria as escadas, os calções podem ter escapado para baixo precisamente quando os dois vizinhos se cruzavam.
Quanto à marquise, naturalmente, aqueles amplos vidros acumulavam muita sujidade, carecendo de lavagem. Para atingir as partes mais elevadas, tornava-se necessário recorrer ao tal banquinho. Em certas ocasiões, lá podia o calção cair e haver alguém no largo, que observasse o que se passava.