A pessoa que maior visibilidade conferiu ao cargo de
procurador-geral da República foi Cunha Rodrigues. Exerceu tais funções durante
16 anos.
Conheci-o quando ambos integrávamos o conselho de
gestão do centro de estudos judiciários, a escola que forma os futuros juízes.
Desde 2000, ele é juiz no tribunal de justiça da União
Europeia.
Enquanto procurador-geral, competia-lhe dirigir o
Ministério Público. É a corporação de magistrados que representam o Estado nos
tribunais. Protegem as crianças em risco, os trabalhadores por conta de outrem,
os ausentes em parte incerta e, sobretudo, as vítimas de crimes.
Quando Narciso da Cunha Rodrigues tomou posse do cargo,
sempre que havia um crime e se conhecia o suspeito, necessariamente
realizava-se o respetivo julgamento. Eram raríssimos os casos em que a vítima
poderia retirar a queixa e desistir do processo.
A tendência atual é a inversa.
Até se dão oportunidades aos condutores embriagados. O
processo fica suspenso, mediante um donativo a uma instituição de solidariedade
social. Por uns tempos, a carta fica depositada no tribunal e o arguido
compromete-se a não conduzir durante esse período. Mas também se for apanhado
ao volante do carro, não comete nenhum crime.
QUEIXA RETIRADA
Por outro lado, relativamente a um crescente número de
casos, os procuradores nada podem fazer se a vítima não apresentar formalmente
a sua denúncia.
Além disso, o queixoso pode desistir posteriormente. Muitas vezes por medo. Noutros casos, porque foi compensado monetariamente para agir nesse sentido.
Além disso, o queixoso pode desistir posteriormente. Muitas vezes por medo. Noutros casos, porque foi compensado monetariamente para agir nesse sentido.
Ainda não chegámos à situação de alguns países
islâmicos. Os familiares da vítima assassinada têm a faculdade de perdoar ao
criminoso, se este lhes entregar um quantitativo conhecido como “dinheiro de
sangue”. A pena capital é comutada. O homicida fica um ou dois anos privado da
liberdade e é sujeito a umas chibatadas.
Já Cunha Rodrigues desempenhava funções no Luxemburgo,
quando a sua mulher foi chamada a tribunal.
A questão relacionava-se com um Fiat Punto, registado
em nome da senhora. Ela utilizou-o durante uns anos. Depois, acabou por ficar
com o filho.
Ora já o carro pertencia ao descendente e desapareceu
do local onde ele o havia estacionado. A queixa foi apresentada por sua mãe,
pois o veículo encontrava-se em nome dela.
O automóvel foi recuperado uns dias depois. Pelas
impressões digitais, chegou-se ao autor do crime. Passaram-se mais uns anos e
chegou a data do julgamento.
Por essa altura, já o arguido estava preso, cumprindo
pena por outros delitos.
Por esse motivo, a proprietária legal do carro foi
convocada para prestar depoimento, na audiência. Entretanto, a viatura já tinha
sido vendida. Questionada quanto à vontade de prosseguir com o julgamento,
olhou para o arguido, que envergava o uniforme prisional. A mulher de Cunha Rodrigues disse, então:
- Atendendo a que ele está na cadeia, retiro a queixa.