Para além de insigne historiador, José Hermano Saraiva
era também um brilhantíssimo advogado. Há 3 anos, publicou uma valiosa obra
intitulada “O Que é o Direito? A Crise do
Direito”.
Tive a honra de contar com a sua amizade. Inúmeras
vezes, estive na sua casa, bem perto do local onde habito.
O portão da quinta de José Hermano Saraiva encontrava-se
sempre aberto. Era possível entrar ali e estacionar o carro, junto à moradia.
Contudo, eu tinha sempre de usar o telemóvel para ligar ao professor. Enormes
cães de respeito impunham que não se abrissem as portas da viatura. Com os
canídeos presos, já se podia aceder à casa onde o historiador conservava uma
importante biblioteca.
À LAREIRA
Certa vez, fiz-me acompanhar do Embaixador Paulo Palm.
O diplomata seguia, com imenso interesse, os programas televisivos daquele
grande comunicador. Porém, não o conhecia pessoalmente. José Hermano Saraiva
teve a amabilidade de nos receber. Conversámos durante horas, junto à lareira.
Nesse dia, o professor contou-nos um interessante
episódio ocorrido há décadas atrás.
Um advogado de Penafiel era réu num processo criminal.
Tratava-se um homem que sempre fora profissional competente, mas desgraçara-se
com o jogo. Frequentava casinos e perdia todo o dinheiro que conseguia
arranjar. Começou a gastar as quantias que lhe eram entregues pelos clientes
para pagamento das custas judiciais.
Metido nesta embrulhada, o causídico pediu a José
Hermano Saraiva que o defendesse. Assim aconteceu.
O Dr. Saraiva deslocou-se a Penafiel. Falou com o juiz
da comarca. Depois, ciente de que o réu dificilmente escaparia a uma
condenação, formulou vários requerimentos com vista a adiar o julgamento para o
momento mais tardio possível.
ADIAMENTOS
Houve vários dias agendados para a audiência. No
entanto, sucediam-se os cancelamentos e as marcações para datas subsequentes.
Até que chegou um momento em que não era viável
protelar mais a realização do julgamento.
Sabedor dessa circunstância, José Hermano Saraiva
telefonou para a casa do advogado de Penafiel, na véspera da data aprazada para
a audiência. Quem atendeu a chamada foi a mulher do réu naquele processo. Pela
voz, notava-se que algo não estava bem. Ela comunicou o que ocorrera ao jurista
que se perdera para o jogo nos casinos:
- O meu marido acaba de morrer.
E assim não aconteceu o que parecia inevitável: o
julgamento daquele advogado.