Estive com Vale e Azevedo apenas uma vez.
Eu lecionava no centro de formação da Ordem dos Advogados.
Tinha uma pesada carga horária, que me forçava a lá ir diariamente. Ensinava
registos e notariado. Uma disciplina que tinha somente mais dois formadores. Os
saudosos Manuel Gonçalves Pereira e Mário Santos, falecidos prematuramente. Sou
o único que resta do trio. Espero que não se confirme o ditado “não há duas sem três”…
Encontrava-me eu no centro de formação, no decurso de um
intervalo. Dirigia-me à cafetaria. Chegou João Vale e Azevedo, acompanhado de
um advogado estagiário, na fase final do tirocínio. Como seu patrono, o
presidente do Benfica estava ali para se associar ao júri que iria submeter o
jovem à prova oral de agregação, que lhe conferiria o acesso à advocacia.
Tomámos café. Conversámos amenamente até chegar a hora
da minha aula.
Foi em 1999. Vale e Azevedo presidia ao clube já lá iam
quase dois anos.
Não se conheciam as golpadas que ele estava a dar no
Benfica.
Contudo, já toda a gente sabia que, como advogado, era trapaceiro.
Ninguém acreditava na versão de que ele tinha enriquecido a constituir
sociedades offshores.
Eram numerosos os casos de burla. Os corticeiros do
Montijo. A transação da Quinta da Riba Fria. A fraude ao PSD. Os esquemas com o
21º cartório notarial de Lisboa. As guias de custas judiciais falsificadas na
fotocopiadora.
SI NON È VERO
À medida que o tempo passa, vão-se conhecendo outros
casos de contos do vigário praticados por este nosso compatriota. Por um lado,
surgem à luz do dia situações já antigas, mas que ainda não tinham sido
divulgadas. Por outro lado, ele não para. Mesmo em Inglaterra, com mandados de
captura em cima, continua sempre pronto a enganar o próximo.
Recentemente, foi relatada uma história curiosa, que se
terá passado na década de 80, no seu escritório de advocacia na Avenida da
Liberdade. Provavelmente, é uma narração apócrifa. Mas tem graça. Sin non è vero, è ben trovato…
PÁTEO BAGATELA
Um cliente do causídico tinha comprado umas casinhas,
onde mais tarde viria a ser o Páteo Bagatela. Vale e Azevedo escreveu uma carta
a todos os moradores. Convidava-os para uma reunião no seu escritório. Ia lá um
de cada vez, procurando chegar-se a uma solução consensual para os inquilinos
deixarem as habitações, mediante o pagamento de uma quantia.
Surgiu uma senhora viúva, que morava sozinha numa
casinha minúscula, sem grandes condições e que só teria a ganhar se conseguisse
o dinheiro suficiente em ordem a mudar-se para um local melhor.
A mulher foi recebida por um advogado estagiário. Por
escrito, tinham-lhe proposto uma compensação de sete mil contos. Naturalmente,
ela queria mais dinheiro. Resolveu fazer bluff.
Disse que tinha consultado o Zeca Afonso. O cantor aconselhara-a a não sair por menos
de 14 mil contos.
O jovem estagiário percebeu que algo estava errado. José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos, o
famoso intérprete de “Grândola, Vila
Morena”, tinha morrido há algum tempo.
O advogado estagiário ausentou-se e foi consultar Vale
e Azevedo. O patrono descobriu logo maneira de resolver o assunto, sem
suscetibilizar a senhora. Não ia chamar-lhe mentirosa nem dizer que o tal
conselho do Zeca Afonso era uma treta para fingir que se fixava
irredutivelmente nos 14 mil contos.
Vale e Azevedo entrou na sala de reuniões e
cumprimentou a locatária. Disse-lhe:
- Telefonei agora para o Zeca Afonso. Ele diz para a
senhora aceitar os 7 mil contos que lhe propusemos e sair da casa.
Convencida, a arrendatária teria imediatamente assinado o
acordo.