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QUANDO MÁRIO LINO ANDAVA DE FIAT 600



São preocupantes as notícias sobre Mário Lino, antigo ministro das Obras Públicas.
Foram construídas auto-estradas que não servem para nada, a não ser encher os bolsos de alguns. É necessário descobrir os responsáveis e puni-los.
Tempos houve em que Mário Lino percorria os caminhos de Portugal num modesto Fiat 600, comprado em segunda mão.
Brilhantíssimo aluno do Instituto Superior Técnico, o político aderiu ao Partido Comunista. Esteve preso e foi barbaramente torturado pela PIDE.



NO MERCEDES PRETO

Ainda antes de concluir o curso de engenharia civil, Mário casou.
Namorava com uma camarada de partido, estudante de geologia. Conheceram-se no piso superior daqueles autocarros verdes de dois andares que, durante muitos anos, circularam em Lisboa, ao serviço da Carris. Ambos gostavam de se sentar no banco dianteiro e quis o acaso que se encontrassem.
Mário Lino meteu-se num avião e rumou a Moçambique, onde residiam os progenitores de Paula. Decidiu pedir a mão da sua amada. O futuro sogro desempenhava as importantes funções de inspetor provincial de fazenda. Foi no interior do Mercedes preto, de serviço, que o jovem manifestou a intenção de contrair matrimónio com a filha de Manuel Afonso Mourão.
O enlace deu-se quando ele tinha 24 anos e a noiva contava 22.
Para as suas deslocações pela capital do império, o casal adquiriu o tal Fiat 600, por trinta contos. Já vinha equipado com uma manta alentejana que cobria o desgastado assento traseiro.


SUSTO

Encontrava-se Mário Lino a estudar na pastelaria Pão de Açúcar, quando um empregado o informou que alguém pretendia falar com ele ao telefone. Era o colega Charrua. Deu-lhe uma má notícia. Tinha passado junto ao Liceu Camões e vira dois carros muito amolgados, sem os respetivos ocupantes. Uma das viaturas era precisamente o Fiat que Paula Mourão conduzia naquela tarde.
Aflito, sem saber o que sucedera à mulher, o estudante universitário encaminhou-se para o local. Um vendedor ambulante de gravatas relatava o desastre:
- A pobre rapariga que seguia no carro pequeno vinha na mão dela. O homem devia estar a olhar para as moças e a dizer alguma piada. Distraiu-se e foi embater no automóvel da desgraçada, que morreu. E ele saiu ileso, a rir-se.
Certamente, foi um grande susto.
Chegado ao hospital de São José, Lino verificou que, felizmente, aquela versão não tinha fundamento. Apesar de o carro ter ficado irremediavelmente destruído, com a parte dianteira metida para dentro, o pára-brisas quebrado e o volante partido, a condutora não sofrera mais do que ligeiros ferimentos num braço.
A companhia de seguros do automobilista culpado pagou uma indemnização suficiente para comprar o segundo Fiat 600 da vida de Mário Lino.
O episódio encontra-se narrado no excelente livro "A foto", de que são co-autores Paula Mourão e o ex-ministro.