Eleito e reeleito presidente da Académica, José Eduardo
Simões foi arguido num processo que merece alguma reflexão.
O engenheiro cometeu os crimes de corrupção e abuso de
poder, enquanto diretor municipal da administração do território. Era o
responsável pelo licenciamento de obras e loteamentos no concelho de Coimbra.
A primeira questão respeita à sanção aplicada. Em
primeira instância, levou com 4 anos e 7 meses de pena suspensa. O Tribunal da
Relação agravou para seis anos de prisão efetiva. O Supremo decidiu
definitivamente, com imensa brandura. Ficou-se por um ano e três meses de cadeia,
suspensa na sua execução.
Tal disparidade suscita ponderação.
Importa determinar se é a normal dialética resultante
dos recursos. Caso as altas instâncias confirmassem sempre as decisões dos
tribunais inferiores, então não valeria a pena haver impugnações. É normal que
haja revogações de decisões anteriores.
Ou estas divergências quanto à pena aplicável serão
antes sinal de alguma disfunção do sistema judicial?
DINHEIRO ESCONDIDO
Depois, há que meditar sobre os motivos que levaram a
que o arguido fosse apanhado.
Repare-se. A Polícia Judiciária foi às sete da manhã a
casa dele, efetuar uma busca. Por pouco, saíam de mãos a abanar.
Nas divisões da ampla habitação, nada foi encontrado.
Faltava um local: a garagem. Aparentemente, também não
havia nada de interesse.
Todavia, um carro arrumado de forma mais recatada despertou
a atenção de um investigador. Na viatura, estavam dezenas de envelopes. Não se
encontravam vazios. Todos eles continham notas de banco. No total, eram 103
600,00 euros.
A verdade é que nunca se provou que aquele dinheiro
tivesse alguma relação com a atividade criminosa do presidente da Briosa.
Ficaria mal devolver-lhe as notas apreendidas. Por
isso, os juízes do Supremo decidiram que o arguido teria a obrigação de
entregar um donativo de 50 mil euros à Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental e quantia de igual valor à instituição Sorriso,
Associação dos Amigos do Ninho dos Pequenitos, um centro de acolhimento de Coimbra.
ERROS COMETIDOS
José Eduardo Simões só foi apanhado porque encaminhava
o dinheiro obtido para o club a que preside. Assim, eram emitidos cheques e a
Académica passava recibos das generosas ofertas.
Ainda antes de ser eleito formalmente presidente da
Académica, o engenheiro deve ter chorado de alegria quando lhe chegou um cheque
para financiar a campanha. Vinha da empresa de construção Quinta das Lágrimas.
Não era a primeira vez que ele via documentos destes.
Já desde maio de 2004 que entregava ao club uma série de cheques daquela
construtora. Tudo somado, dava 190 mil euros, fora a contribuição para a
campanha eleitoral.
Logo após tomar posse como presidente do club coimbrão,
Simões dirigiu-se à Câmara e pegou nos dossiers respeitantes à urbanização da Quinta das Lágrimas. O alvará 418
permitia a construção de uma série de edifícios.
Para retribuir o favor, o engenheiro alterou as
licenças, passando a autorizar edifícios maiores.
Mais tarde, deu outro jeito. O prazo da licença de
construção tinha caducado e a obra ainda estava a meio. Já havia uma proposta
de embargo dos trabalhos clandestinos. Mas tudo se resolveu com a apresentação
de umas telas finais, de que o próprio Simões já anteriormente se lembrara.
MILIONÁRIOS DO BRASIL
Idênticos esquemas surgiram com outros empresários,
nomeadamente dois que fizeram fortuna no Brasil.
O modelo era sempre o mesmo. O pagamento realizava-se
através de cheques ou depósitos na conta bancária pessoal do dirigente
desportivo. A importância entrava nos cofres da Académica, que geralmente
passava um recibo, do qual constava a menção do donativo. Em contrapartida,
eram autorizadas obras ilegais.
DINHEIRO VIVO
Portanto, é legítimo o seguinte raciocínio. Se
estivesse em causa um obscuro funcionário municipal, que recebesse sempre as
luvas em numerário, provavelmente nunca seria descoberto. Ou seja, o presidente
da Académica só foi condenado porque o dinheiro não era para ele. Destinava-se ao
clube de futebol.
A lógica oposta seria outra. Se ele não fosse
presidente da Académica e apenas exercesse a sua profissão na Câmara, não teria
tido estas oportunidades.
Já toda a gente sabia o que ele andava a fazer. Não era
só esconder dossiers no seu gabinete. Houve discussões com engenheiras
municipais que se recusaram a embarcar no encobrimento de irregularidades.
Surgiram cartas anónimas e notícias nos jornais.
Por isso, alguns defendem que José Eduardo Simões conseguiu
manter-se no cargo de diretor da administração do território precisamente
porque se encontrava a arranjar meios de a Académica se financiar. Se ele
estivesse apenas a meter o dinheiro ao bolso, como um vulgar corrupto, tal atitude
não duraria muito tempo.