Um conceituado diretor de jornal elevou à importância de editorial um
comentário sobre o modo de vestir de certo juiz mediático. Perguntava se era
razoável que o magistrado aparecesse nas televisões "em ténis, jeans e t-shirt, deixando cair uma ou outra palavra quando
devia estar calado? [...] Se nos
tribunais se continuam a utilizar togas e a respeitar um conjunto de
formalidades destinadas a construir uma imagem de severidade e respeito, não
entenderá este juiz que deve respeitar um mínimo de formalidade na forma como
se veste?".
Quem escreveu estas palavras foi José Manuel Fernandes, jornalista e
comentador de craveira e renome.
O assunto foi também tratado desenvolvidamente em diversos órgãos de
comunicação social.
Reconheço ser preferível que um juiz adote no dia-a-dia uma indumentária
sóbria. Mas não se pode confundir um magistrado judicial com um bancário, para
quem a apresentação formal é obrigatória. Na sala de audiências, deve-se ser
absolutamente rigoroso e os intervenientes têm de surgir paramentados, com as
respetivas becas, togas e capas. Quanto ao que se passa fora dela, encaro a
forma de vestir como uma questão lateral.
Por outro lado, não vejo que o juiz deva cultivar uma imagem de
severidade. Ou de benevolência. Deve deixar transparecer, sim, sentido de
justiça.
PASSINHOS LEVES
Já lá vão os tempos do Estado Novo salazarista, em que se defendiam
regras rígidas sobre o comportamento dos juízes.
O jurista Oliveira Guimarães redigiu, em 1937, um código de conduta para
os magistrados intitulado "Arte de Julgar", no qual explicava como
deviam estes agir.
Dizia ele: "O magistrado não
deve vestir-se nem tão mal que seja notado pelo ridículo nem tão bem que seja
notado pela afetação, e não andará nem com passinhos leves de perdiz nem com a
olímpica lentidão de um coche".
Também já passaram 22 anos desde que um juiz foi suspenso da sua atividade
pelo período de um ano, em virtude de frequentar bares de homossexuais adultos,
onde consumia bebidas alcoólicas em excesso.
Mesmo no interior da sala de audiências, a tendência moderna é para
reduzir o formalismo.
O ritual judiciário continua a ter alguma importância, embora atualmente
se dê mais valor à substância: fazer justiça.
Certos ritos ainda fazem sentido, por conferirem solenidade aos atos.
Muitas das regras nem sequer estão escritas, mas fazem parte dos costumes.
Quando o juiz entra na sala, todos se levantam. O arguido permanece de pé
enquanto é interrogado. Do mesmo modo, as testemunhas prestam juramento de pé e
só depois são autorizadas a sentarem-se. O procurador e os advogados inquirem
diretamente as testemunhas, mas invocam a "devida vénia". Quando chega a hora de apresentarem as suas
alegações, podem fazê-lo sentados, mas muitos usam da palavra após se
levantarem e cumprimentarem o tribunal.
É sensato conservar estes hábitos, mas não se deve esquecer o
fundamental, que é proferir a decisão mais justa possível.
Antoine Garapon, juiz e filósofo francês, dissertou sobre a matéria no
seu magnífico livro "Bem Julgar".
Diz o autor: "O século XX
conheceu, primeiro no Estados Unidos, e depois na Europa, uma vaga de
desformalização da justiça. De facto, o ritual era acusado de fazer depender
uma decisão judicial de considerações que lhe eram estranhas. O cerimonial não
é favorável a uma compreensão subtil do processo nem a uma exata apreciação da
personalidade do sujeito que é preciso julgar".