sexta-feira

INSTRUMENTO NAS MÃOS DO POVO




Todos nos orgulhámos muito com a conquista do Prémio Nobel da Literatura por José Saramago. Em momento anterior, a indignação foi generalizada quando um subsecretário de estado impediu a candidatura do escritor a um prémio europeu.
Do mesmo modo, sabemos que o romancista dirigiu o "Diário de Notícias" de forma desgraçada. Propunha-se transformar o periódico em "instrumento nas mãos do povo português, para a construção do socialismo".
O antigo serralheiro mecânico foi responsável pelo afastamento de 24 jornalistas, considerados anti-revolucionários.
O tema não tem sido muito aprofundado. O excelente livro de Pedro Marques Gomes, agora lançado, relata tudo o que se passou.


CAIXA

Aquando da revolução de 1974, o jornal encontrava-se nas mãos do Estado. Maioritariamente pertencia à Caixa Geral de Depósitos.
José Ribeiro dos Santos passou a chefiar a publicação. Não teve a vida facilitada.
Em 11 de março de 1975, seguidores de Spínola falharam uma tentativa de golpe militar. Em assembleia do Movimento das Forças Armadas, alguns sugeriram que os derrotados fossem executados mediante pelotão de fuzilamento. A proposta não foi aprovada.
O advogado, à frente do mais lido diário português, redigiu um editorial, criticando a infeliz ideia de restaurar a pena de morte: "o grito é quase de horror", escrevia ele.
Pois em reunião plenária, os trabalhadores votaram uma deliberação, retirando a confiança ao responsável pelo jornal, por discordarem daquele texto. Ribeiro dos Santos demitiu-se, "enjoado".


PROCESSO JUDICIAL

Tal permitiu que, mais tarde, o marido de Isabel da Nóbrega ocupasse o cargo de diretor-adjunto, vindo a liderar efetivamente o diário.
Por esta altura, em frente à sede, na Avenida da Liberdade, manifestantes populares gritavam: "O Diário de Notícias é do Povo, não é de Moscovo!".
O futuro cônjuge de Pilar del Rio conduziu a dispensa de duas dúzias de repórteres, constantes de uma lista inicial de 30.
Os saneados anunciaram a intenção de processar judicialmente a entidade patronal. Não foi necessário. Decorrido menos de um ano, a situação ficou resolvida. Alguns profissionais foram reintegrados e outros optaram por receber uma indemnização.



NORMALIDADE

A normalidade regressou à centenária publicação. O meu Amigo João Gomes ascendeu a seu diretor, em grande medida por influência do capitão de Abril Vasco Lourenço, democrata seríssimo, a quem muito os portugueses devem. O militar atravessa no presente algumas dificuldades de saúde. Desejo que se restabeleça prontamente.
Por vezes, o coronel é criticado pela excessiva tolerância para com Otelo Saraiva de Carvalho, desculpando-o muitas vezes. A meu ver, age como um irmão, que nunca esgota a paciência para com o mano que só faz disparates.