Falta pouco tempo para
que, em Portugal, se registe o primeiro caso de Ébola. Entretanto, surgirão
suspeitas, que deverão merecer a atenção dos clínicos.
Na grande maioria dos
casos, conta-se com a colaboração dos pacientes. Ficam sujeitos a isolamento,
estão privados do contato direto com terceiros e são encaminhados para unidades
onde permanecerão hospitalizados.
É uma questão de saúde
pública. A preocupação não é apenas a de tratar aquele doente. Impõe-se evitar
a propagação do vírus.
Aqui, começam os problemas
jurídicos.
No domínio da saúde
mental, existe legislação específica que permite contrariar a vontade do
enfermo. Politicamente, é mais aceitável a privação da liberdade nestes casos,
com o argumento de que a pessoa não está lúcida.
Até na constituição, o
caso encontra acolhimento expresso, como exceção do direito à liberdade. Este
não é conferido a quem seja “portador de
anomalia psíquica”, desde que o internamento seja “decretado ou confirmado por autoridade judicial competente”.
ACABAR DE VEZ COM A PEÇONHA
Há dez anos atrás, quando
ressurgiu a tuberculose no nosso país, o assunto foi muito debatido. Várias
pessoas provenientes do leste europeu recusavam o tratamento.
Quem primeiro me alertou
para semelhante dificuldade, foi a minha prima Paula Fráguas, médica que lidou
com estas complexas situações. Na prática quotidiana, eram resolvidas com o que
ficou conhecido por “toma assistida”.
Ninguém forçava fisicamente o paciente a ingerir o fármaco. Mas ele ficava
acompanhado e só saía da unidade hospitalar após tomar a medicação, na presença
de uma testemunha.
Ainda se esboçaram
tentativas de elaborar normas que obrigassem ao tratamento, sobretudo por
iniciativa da minha Amiga Ana Barbado, diretora clínica de uma importante unidade
hospitalar.
À direção-geral de saúde
competiria elaborar um anteprojeto da lei.
Porém, tal iniciativa
esbarrou com pareceres jurídicos, no sentido de que se trataria de uma medida
inconstitucional.
Não se poderia sujeitar ninguém
a internamento por ele indesejado, cerceando-lhe a sua liberdade. Nem sequer
seria viável impor um tratamento ambulatório, que provoca sempre alterações na
integridade física.
Em nome da saúde geral,
não se podem sacrificar os direitos pessoais.
Em última análise,
matavam-se todos os que sofrem de doenças contagiosas. Acabava-se com a SIDA e
a hepatite. Possivelmente, desapareceria o Ébola.
Na eventualidade de não se
querer sujar as mãos, recriava-se uma leprosaria. Foi a decisão de Fidel
Castro, na década de 80, para afastar as vítimas da síndroma assassina.
POLÍTICA
O vírus do Ébola não pode
ser contornado. O assunto não se deve resumir a debates entre médicos e
juristas.
O pior que poderia
acontecer seria cair na tentação de uma farsa, procurando escapar à lei, com
interpretações inaceitáveis. Quem recusasse o tratamento conforme prescrito
seria louco. Portanto, impor-se-ia o seu internamento por anomalia psíquica.
Argumentos burlescos são facilmente derrotados em tribunal.
Há que adotar uma solução
política. Mas nem sequer vejo necessidade de modificar a Constituição da
República Portuguesa.
Trata-se de promover a
discussão no Parlamento. Eventualmente, aprovar-se-á uma lei que não é
simpática, do ponto de vista ideológico. Reduz-se a liberdade individual.
Quem estiver infetado pelo
Ébola, sofre uma mudança radical na sua vida, pois é-lhe indicada a necessidade
de receber tratamento. Ainda por cima, passaria a ter a obrigação legal de
ficar submetido às mais variadas instruções, permanecendo isolado, num local
que não escolheu, para proteção de outras pessoas.