Terminado o interrogatório no caso dos vistos dourados, impõem-se duas reflexões.
Se três arguidos ficam sujeitos à pulseira eletrónica, é
injustificável que esperem na cadeia a conclusão dos procedimentos. Deveriam
ter sido mandados logo para casa, com obrigação de nela permanecerem.
O relatório social nada acrescenta quanto à prevenção dos
perigos de fuga e de perturbação do inquérito. A instalação do sistema de vigilância
eletrónica não adianta para impedir a evasão ou os contatos com outras pessoas.
É inaceitável que os três suspeitos se mantenham num
estabelecimento prisional.
Ou ficavam realmente em prisão preventiva, tal como os dois
principais arguidos. Ou, então, iriam logo para as suas residências, onde aguardarão
o julgamento.
Apenas em casos muito excecionais se deve aplicar a prisão
preventiva por uns dias, até que os serviços de reinserção social completem o
seu trabalho.
BONS DIAS
O segundo aspeto a abordar diz respeito ao período de
detenção.
A Constituição estabelece que ninguém pode ser privado da
liberdade por mais de quarenta e oito horas até ser presente a um juiz.
Sobretudo nos processos com vários arguidos, tal obrigação conduz
a uma prática, que foi adotada neste caso, como em muitos outros.
O magistrado faz comparecer cada um dos detidos, à vez.
Cumprimenta-os, pergunta-lhes o nome e questiona-os quanto a mais alguns
elementos de identificação. Depois manda-os recolher aos calabouços. O essencial
é que não tenha havido um lapso de tempo superior a 48 horas desde o momento em
que aconteceu a detenção até ao instante em que se dá aquele encontro.
Entretanto, os respetivos advogados podem conferenciar com
os seus clientes.
Seguindo a ordem que entende mais adequada, o juiz de
instrução interroga individualmente os visados. Consoante o andamento dos
trabalhos e o número de pessoas envolvidas, a diligência demora mais ou menos
tempo.
É possível que decorram vários dias.
MEDIDAS
Somente após todos serem ouvidos, é proferido despacho sobre
as medidas de coação.
Uns poderão ficar em prisão preventiva, outros com pulseira
eletrónica e alguns sujeitos a apresentações na esquadra ou obrigados ao
depósito de uma caução, por exemplo. Até é viável que permaneçam submetidos
apenas a termo de identidade e residência.
Desde que a polícia capturou o detido até ele conhecer o seu
regime coativo terão passado muito mais do que quarenta e oito horas.
Foi o que ocorreu nesta situação.
Na eventualidade de condenação em prisão efetiva, não haverá
grande prejuízo. Cada hora de detenção é descontada no cumprimento da pena.
A maior parte dos juristas entende que tudo está bem assim.
Desde que o juiz intervenha antes de se completarem as 48 horas, a Lei Fundamental
encontra-se respeitada.
Todavia, não se trata do método mais consentâneo com o
estabelecido pela Constituição.
No rigor dos princípios, a regra deve ser a seguinte.
O órgão de polícia criminal procede à detenção de um
indivíduo. No espaço de 48 horas, ele deverá ser libertado. Alternativamente,
um juiz fixar-lhe-á as medidas coativas, que podem incluir a prisão preventiva.
Um magistrado valida sempre a detenção. Isto é, aprecia se a
mesma foi legal e confere-lhe legitimidade. Validar a detenção e manter a
pessoa detida, sem lhe dizer se será ou não libertada, tem pouco significado.
Está-se muito longe do ideal quando alguém é detido numa
sexta-feira e permanece nessa situação até à terça-feira seguinte, apenas
porque os interrogatórios se vão prolongando.
Nenhuma detenção deveria durar mais do que 48 horas. Das
duas uma. Ou a pessoa é mandada em liberdade. Ou fica presa preventivamente.
Aquela indefinição de quem está detido não é coisa para se manter durante dias.
A meu ver, basta que o juiz identifique o arguido e o
notifique para comparecer no momento em que o interrogará. Caso ele falte, será
detido novamente. A vigilância policial substitui a guarda durante a detenção.
Fundamentalmente, não há motivo para os arguidos pernoitarem
na cadeia. É suficiente encontrarem-se em garde
à vue.