Imagine-se que um jornal publica um certo cartoon, em que surge Ramalho Eanes, o
antigo presidente da república.
O “cara-de-pau”
encontra-se no seu luxuoso apartamento londrino, decorado segundo as suas
preferências. Um amigo de infância vai-lhe entregando constantemente maços de
notas, para ele ir vivendo como um lorde. Esse benemérito tinha enriquecido
graças a obras públicas realizadas quando o general era o mais alto magistrado
da nação.
A meu ver, teriam sido ultrapassados os limites do
humor. Seria calúnia, falsidade e infâmia sobre um político imaculado, sem a
mais ténue relação com factos verdadeiros.
Na minha perspetiva, é este o domínio em que a sátira
não está autorizada a penetrar: mentir de forma completamente desligada da
realidade.
Para
outras pessoas, é intolerável brincar com determinados assuntos: religião,
louras, alentejanos, a morte, negros, judeus, deficiências físicas,
homossexualidade, ciganos, catástrofes, a mãe de cada um…
É uma questão de gosto.
As opiniões são divergentes quando se trata de debater
as barreiras que os humoristas não deveriam ultrapassar.
TRAIÇÃO
Já existe um enorme consenso no que concerne à reação perante os excessos. Quase ninguém subscreve a posição de que a resposta adequada consiste na violência. De igual modo, poucos pugnarão pela censura prévia.
Uma atitude admissível será, com certeza, o recurso aos
meios judiciais. No tribunal, pede-se ao juiz que determine quem tem razão, que
aplique uma punição caso tal se justifique e que obrigue ao pagamento de uma
indemnização compensatória, se for caso disso.
No início de 1978, tinha Paulo Portas quinze anos de
idade.
Escreveu um texto que foi publicado no “Jornal Novo”, periódico que saía todas
as tardes. O título do artigo era “Três
Traições” e aludia à descolonização. Mencionava o chefe de estado, em moldes
que eram falsos.
Ramalho Eanes processou judicialmente o autor da
crónica. Todavia, o caso acabou arquivado, em virtude da menoridade do visado,
o que era desconhecido do presidente.
Foi traído pela juventude.