Logo após a privatização da TAP, despistaram-se dois
autocarros do Barraqueiro, pertencente a Humberto Pedrosa, que passará a
liderar a companhia aérea.
No total, registaram-se 7 mortos e dezenas de feridos.
Os sindicalistas declaram que os condutores são
forçados a trabalhar sem adequados períodos para repouso e alimentação. Os
gestores afirmam que a lei nacional é rigorosamente cumprida.
Ambos os lados têm razão. A segurança rodoviária de
elevado nível implica a adoção de mais cautelas do que as impostas pelas normas
legais.
Numa coisa as duas partes estão de acordo. As viaturas
estão todas em perfeitas condições e garantem que os passageiros viajam em veículos
com equipamento apto a prevenir acidentes e a atenuar os seus efeitos quando
ocorrem.
BRAÇO
Aqui há tempos, um significativo grupo de sindicalistas
convenceu-me, com acerto, do contrário.
Eu procedia ao julgamento de um arguido, que era
motorista do Barraqueiro. Ele havia sido interveniente num trágico
desastre. Encontrava-se acusado de homicídio por negligência.
Em sua defesa, arrolou uma série de testemunhas e
indicou alguns peritos, muitos dos quais pertencentes ao sindicato. Atestaram
que, em grande medida, a responsabilidade cabia ao facto de se tratar de um
velho autocarro, adquirido em segunda mão, na Alemanha. Em terras germânicas,
cumpriu a sua missão de longo curso. No nosso país, foi adaptado para circuitos
interurbanos, com frequentes paragens e descida de utentes.
Ocorrera o seguinte.
Ao final da tarde, uma senhora ia de Lisboa de regresso
a casa, após um dia de trabalho. Ao aproximar-se do seu local de residência,
carregou no botão destinado a assinalar que pretendia descer na próxima
oportunidade.
Imobilizado o veículo, a porta traseira foi
automaticamente aberta. Ela desceu os degraus, mas permaneceu agarrada ao
corrimão. Convencido de que a viajante saíra, o motorista acionou o comando de
fecho e o braço da infeliz ficou entalado. Iniciada a marcha, a vítima sofreu
uma morte horrível. Arrastada pelo asfalto e esmagada pelo rodado traseiro,
apercebeu-se certamente de que aqueles seriam os seus últimos momentos.
Ora os degraus localizados na parte de trás não eram
visíveis para quem seguia ao volante. Nem sequer havia espelhos que lhe possibilitassem
observar o que ocorria antes de fechar a porta. Apenas o retrovisor do lado
direito lhe permitia acompanhar a saída das pessoas. Realmente, a malograda já
tinha os pés assentes no pavimento e apenas o seu membro superior ficara do
lado de dentro.
Claramente, o veículo estava concebido para que a
descida de passageiros se fizesse em locais de estacionamento e não em paragens
ao longo de uma carreira.
Ainda por cima, as inspeções aos autocarros eram feitas
pelo próprio Barraqueiro, num centro localizado em Azeitão. Esta acumulação de
funções foi posteriormente objeto de novas regras. Atualmente, as empresas de
transportes não podem deter sociedades que fiscalizam periodicamente os veículos.
INSULTO
De modo que eu decidi absolver o arguido, o que
provocou desgosto nos familiares da pobre falecida.
Cheguei a receber um e-mail escrito por uma neta da finada. A jovem contava-me que não
conseguira ultrapassar uma depressão reativa, provocada pelo desaparecimento da
sua querida avó. Tinha esperança que o motorista fosse punido, o que
proporcionaria alguma catarse. Com a minha sentença, a expetativa desaparecera.
Agora desejava-me todo o mal do mundo. Só a minha
desgraça pessoal, assim num grau semelhante ao que a sua ascendente padecera,
lhe poderia servir de lenitivo.
Trata-se de uma atitude a que me fui habituando, ao
longo dos tempos, mediante chamadas telefónicas e cartas remetidas por via
postal. Umas apenas insultuosas, outras ameaçadoras e muitas com as duas
componentes.
Pela primeira vez, surgira-me em correspondência
eletrónica.