Certa vez, o jornal The Guardian publicou uma interessante reportagem. Começava assim:
“Eles mandam milhares de pessoas para a
cadeia. Mas o que é que sabem sobre prisões? A nossa repórter foi conversar com
juízes”.
Um dos entrevistados disse humildemente e
com humor:
- Confesso-me culpado. Nunca fui a uma
penitenciária e já deveria tê-lo feito.
Seria curioso saber o resultado de um
trabalho idêntico realizado em Portugal.
Poucos juízes e procuradores visitaram
estabelecimentos prisionais, uma vez que fosse na vida.
MAGISTRATURA
Duas magistradas do Ministério Público
sabem perfeitamente o que significa a privação da liberdade. Mas em condições
muito diferentes das atuais.
Liliana André Palhinha e Aurora Rodrigues
foram reclusas em Caxias, reféns da polícia política. Sofreram a tortura por se
oporem ao regime político vigente até abril de 1974. Integravam um alargado
grupo de estudantes da Faculdade de Direito de Lisboa que militava no MRPP.
INIMAGINÁVEL
A segunda passou por algo que é
dificilmente concebível.
Aurora esteve na prisão à ordem do Estado
Novo. Acabou libertada em 28 de junho de 1973, por falta de matéria que
permitisse levá-la a julgamento. Na realidade, apenas havia provas de que ela e
Maria José Morgado tinham distribuído comunicados no estabelecimento de ensino
que ambas frequentavam. Junto às escadas do último piso, onde então se
localizava a biblioteca, lançaram os papéis. Uma colega denunciou-as.
Dois anos mais tarde, a jovem regressou à
mesma cadeia, feita presa política pelo novo regime que derrubara Marcello
Caetano.
Por ordens de Otelo, dezenas de soldados
invadiram as sedes do partido maoísta e a associação de amizade Portugal-China.
Levaram todos os que se encontravam nas
respetivas instalações.
Durante um mês, a universitária ali permaneceu, apenas
dispondo de uma retrete turca, daquelas sanitas rentes ao pavimento, em que a
pessoa defeca agachada, de cócoras. Ao longo desse tempo, foi obrigada a manter
sempre a mesma roupa, o que obviamente se tornou complicado com a menstruação.
Só após a visita de um advogado belga, Marc
de Kock, que presidia à Liga para a Defesa dos Direitos Humanos, foi posto
termo àquela detenção completamente injustificada.
A jurista relatou o drama aos jornalistas
Ana Aranha e Carlos Ademar, autores da obra “No Limite da Dor”, como aliás já o havia feito anteriormente em livro
de sua própria autoria, com o título “Gente
Comum”.
A prisão de Caxias tem um passado
tenebroso. Contrariamente ao que sucedeu com o Aljube e o forte de Peniche, o
regime democrático não impôs a respetiva extinção.
A construção de uma nova cadeia da Grande
Lisboa, no Vale do Tejo, em Almeirim, permitiria o seu encerramento.
SÍMBOLOS
Quanto ao Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (MRPP), a maior parte dos seus filiados
abandonaram-no depois de aprovada a Constituição de 1976.
Os que finalizaram os estudos de Direito
ingressaram em carreiras públicas, sobretudo na diplomacia, na magistratura do
Ministério Público e na docência. Outros dedicam-se à advocacia, com
assinalável êxito.
O partido ficou reduzido a pouco e nunca
teve representação parlamentar.
Todavia, consegue sempre alcançar mais do
que cinquenta mil votos, a nível nacional, permitindo-lhe obter financiamento
estatal.
Muitos desses boletins são contabilizados
em zonas tradicionalmente dominadas pelo PCP, onde alguns comunistas apresentam
baixo grau de instrução. Tendem a confundir o símbolo do seu partido com o do
MRPP, que é muito semelhante: a foice e o martelo encimados pela estrela de
cinco pontas. A diferença reside nas iniciais que surgem na imagem da
organização mais pequena.