Punhete foi o destino de Luís de Camões durante o seu
desterro ribatejano.
Os camonistas dividem-se quanto ao exato lugar onde ele
morou.
Clara Costa parecia sugerir a Casa dos Arcos. Redigiu o
livro “Casa de Camões em Constância”,
remetendo para a atual designação da vila banhada pelo Tejo.
A escritora traça a história do palácio. Mas reconhece a
inexistência de documentos que justifiquem a veracidade da tradição segundo a
qual o luxuoso paço foi habitado pelo criador de Os Lusíadas.
Outro estudioso, Adriano Burguete, sabia tratar-se de
uma lenda infundada.
Na realidade, o grande dramaturgo nacional ficou
isolado numa ilhota onde se situava a fortaleza punhetense. O médico
constanciense, conhecedor da história local, supunha tratar-se de influência do
conde de Linhares junto de D. João III. A tese era a seguinte. O nobre “poderá e deverá ter lembrado a sede do
desterro, a residência obrigatória, a prisão, digamos. Teria obtido que lhe
fosse requisitada a torre do castelo de Punhete”.
Os factos são bem mais duros.
Camões permaneceu no alcácer, sim, mas num andar
térreo, apenas avistando as águas fluviais por uma janela gradeada.
Encontrava-se agrilhoado, com os tornozelos presos a
uma cadeia de elos que o mantinha agarrado à cela.
CANJA
Por causa de um amor proibido, contra o poeta foi
movido um processo no tribunal do santo ofício.
É de afastar qualquer hipótese de interferência régia,
no sentido de poupar Luís Vaz a provações. É certo que não havia separação
entre o poder judicial e o executivo. Porém, o domínio clerical encontrava-se apartado
do rei, que nunca ousaria perturbar o funcionamento da inquisição.
Violentamente torturado até se iniciar o julgamento, o
ilustre réu veio a cumprir a sua pena em condições altamente adversas. O
prisioneiro manteve-se sempre acorrentado até ao dia da sua libertação, quando
o ferreiro recebeu ordens para quebrar as infames bragas. A alimentação
resumia-se habitualmente a canja e pão. Ocasionalmente, eram facultadas peças
de fruta.
A FERROS
De tudo isso, Camões viria a dar conta em seus cânticos,
num registo que José Hermano Saraiva designou por linguagem judiciária na
produção camoniana.
Mencionou a circunstância de ter estado a ferros: Em prisões baixas fui um tempo atado /
Vergonhoso castigo de meus erros / Inda agora arrojando levo os ferros.
Invocou a razão, dizendo que não pode haver culpa sem
castigo. Razões eram as alegações do acusador e da defesa.
Referiu o pregão, a publicidade conferida à sentença
condenatória: Porque a dor me seja menos
forte / Diga o pregão a causa desta morte.